por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
Está certo que o governo tem despesas obrigatórias, isso querendo dizer
que não podem ser eliminadas ou mesmo reduzidas. Ok, mas não é
obrigatório aumentar essas despesas.
Salário do funcionalismo está no rol das obrigatórias, assim
como o pagamento das aposentadorias e pensões. Mas o problema não é
esse. É que essa despesa aumenta não obrigatoriamente - e isso estoura
as contas.
A meta do governo federal deste ano é reduzir o déficit para R$
139 bilhões. Leram bem. Esse baita rombo, se atingido, terá sido um
êxito, porque menor que o buraco de 2016. Mais ou menos como perder o
jogo por 4 a 1 depois de estar perdendo por 4 a 0.
E há sérias dúvidas sobre a possibilidade de diminuir a
goleada. No primeiro semestre deste ano, o déficit superou largamente o
resultado do mesmo período de 2016.
Fora do governo, o pessoal dá quase como certo que o estouro da
meta anual será de uns R$ 6 bilhões, pelo menos. E sabem quanto o
governo está gastando a mais por conta de reajustes salariais concedidos
em 2016 para diversas categorias do funcionalismo? Cerca de R$ 20
bilhões.
Simples assim: se os reajustes, que não eram obrigatórios, não
tivessem sido concedidos, a meta fiscal deste ano seria facilmente
cumprida. Os reajustes não eram obrigatórios. Resultaram de decisões
políticas tomadas governo Temer e sua base no Congresso.
Reparem: não é o caso de discutir caso a caso ou se a categoria
merecia ou não. Se há um problema de dinheiro, de falta de dinheiro,
não se pode aumentar a despesa de pessoal, a tal despesa obrigatória.
Porque aí não tem mais como cortar.
Ou tem? Há informações segundo as quais o governo está
estudando uma maneira de adiar o pagamento desses reajustes no ano que
vem. Seria possível um trabalho de convencimento do funcionalismo e de
suas associações?
Difícil.
Considerem o exemplo (negativo) dado pelos procuradores
federais: o conselho superior do Ministério Público Federal resolveu
incluir no seu orçamento de 2018 um reajuste salarial de 16%. A inflação
está rodando na casa dos 3,5% ao ano e a categoria está entre as mais
bem pagas do serviço federal, com salário inicial de R$ 28 mil.
E pode-se dizer que os procuradores estão desempenhando muito
bem seu papel de zelar pelo cumprimento da lei e, especialmente,
combater a corrupção. A Lava Jato é seu melhor exemplo.
Mas muita gente no país, a grande maioria dos brasileiros está
cumprindo muito bem suas obrigações tanto no setor público quanto no
privado. A questão não é essa. É de dinheiro e de saber quem paga a
conta.
É notória a escassez de recursos da administração federal.
Procuradores frequentemente advertem sobre a possibilidade de cortes de
verbas prejudicarem o combate à corrupção. E ainda assim aprovam um
aumento de despesa pessoal de R$ 116 milhões ao ano? No momento em que o
governo está aumentando impostos, ou seja, cobrando contas dos
cidadãos? Notem: foi uma decisão unânime dos conselheiros do MPF.
Há outro ponto grave. O orçamento previsto para o órgão é de R$
3,8 bilhões para 2018. Desse total, nada menos que R$ 3 bilhões vão
para pagamento de salários. Sobram apenas R$ 800 milhões para todo o
funcionamento da máquina, investigações, processos etc.,.
Como já está valendo a regra do teto de gastos, os
conselheiros, com a aprovação da futura Procuradora Geral Raquel Dodge,
resolveram que será formada uma comissão para verificar onde se pode
economizar no custeio para financiar o aumento de salários.
A ideia, portanto, é tirar dos R$ 800 milhões os R$ 116 milhões
para a folha salarial. Ora, não estavam reclamando que pode faltar
verba para as investigações? E vão tirar R$ 116 milhões? E se é possível
reduzir assim o custeio, não poderiam dar uma contribuição fazendo
economia?
Não faz a menor lógica. Não é sensato nem razoável. Segundo o
atual procurador, Rodrigo Janot, foi uma "decisão política", que
atribuiu à futura procuradora. Esta justificou a decisão. Mas o modo
como argumentou foi tão vacilante, fugindo das palavras como "aumento de
salários", que mostrou um claro constrangimento. Ela não quis
desagradar a categoria no início de seu mandato.
É triste. Se uma categoria tão respeitável e tão ciosa da
aplicação do espírito público não consegue compreender o difícil momento
por que passa o país, o que se pode esperar?
Muitos argumentam: há muitos outros gastos aumentando no setor
público e próprio presidente Temer está gastando dinheiro para comprar
votos para derrubar a denúncia contra ele na Câmara dos Deputados. Mas
não é exatamente contra isso que agem os procuradores federais?
Em tempo: o orçamento do MPF e, pois, o reajuste salarial precisam ser aprovados pelo Congresso Nacional. A ver.
extraídaderota2014blogspot
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