Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 1 de março de 2017

“Elemento neutro” criado por Marco Aurélio Mello revela a falência do Supremo

Aluisio Antonio Maciel NetoEstadão

Mais uma liminar, mais uma pessoa condenada por crime grave em liberdade, mais um processo que dormitará em algum escaninho do Supremo Tribunal Federal até que a decisão provisória seja ou não ratificada pelo colegiado. Infelizmente, esta é a rotina vista nos processos sob a responsabilidade do ministro Marco Aurélio Mello. Mudam-se os fatos, os crimes e os atores processuais, mas, em comum sempre duas coisas: a existência de um “elemento neutro” a fundamentar a liminar concedida e a transformação de uma decisão provisória em permanente, sem apreciação pelo colegiado.
Nem mesmo a condenação do “goleiro” Bruno a pena de 22 anos e 3 meses pelo sequestro, morte e ocultação de cadáver de Eliza Samúdio, foi suficiente para afastar o tal “elemento neutro” de Marco Aurélio. Em sua decisão liminar, asseverou que “o clamor social surge como elemento neutro, insuficiente a respaldar a preventiva”.
BRUTALIDADE – Ora, será mesmo que um crime cometido com a absoluta brutalidade, com sequestro, espancamento e com a morte praticada como se estivesse a abater um animal selvagem, pode mesmo ser “elemento neutro” para a sociedade? Pode mesmo ser “elemento neutro” uma morte cujo corpo até os dias de hoje é negligenciado à família por aqueles que a mataram com requintes de crueldade?
Há poucas semanas, o prefeito eleito de Embu das Artes também foi beneficiado por liminar de Marco Aurélio. Na decisão, aduziu que o “suposto desequilíbrio social causado pelo tráfico de drogas surge como elemento neutro, insuficiente a respaldar o argumento alusivo à preservação da ordem pública”.
Ora, será mesmo “elemento neutro” o desequilíbrio social causado por aquele que é acusado de integrar facção criminosa voltada a prática de crimes de tráfico de drogas e lavagem de capitais? E mais, que estava foragido quando foi beneficiado pela liminar concedida, em evidente comportamento de não cooperar com a Justiça?
TRAFICANTE SOLTOS – Se não bastasse, também no começo do mês, Marco Aurélio soltou outros 21 integrantes de organização criminosa sob o seguinte argumento: “Os malefícios do tráfico surgem como elemento neutro, insuficiente a respaldar o argumento alusivo à preservação da ordem pública”.
Ora, será mesmo “elemento neutro” o fato dos acusados serem presos na posse de aproximadamente 100 quilos de drogas, de mais de 2 milhões de reais, além de armas e munições?
As decisões mencionadas ocorreram em período inferior a trinta dias, mas, infelizmente, refletem o mesmo padrão liberatório adotado pelo Ministro Marco Aurélio: independentemente do argumento lançado para fundamentar a prisão de alguém, haverá sempre um elemento neutro a justificar o injustificável, a negar o inegável, a fazer do redondo o quadrado, do branco o negro, do bom senso o escárnio.
ERRAR POR ÚLTIMO – É fato que cada juiz tem liberdade de convicção diante dos feitos que são colocados sob seu crivo. Todavia, tal convicção deve ser sempre motivada e suscetível de recurso ou de apreciação pelo colegiado que o integra.
Nenhum juiz, seja de primeira instância ou da Suprema Corte, é dotado de dom divino da perfeição. Aliás, como bem dizia o ex-ministro Nelson Hungria, o STF tem apenas “o supremo privilégio de errar por último”.
Mas, se o jargão jurídico diz que “decisões jurídicas não se discute, recorre-se”, tal preceito não se aplica às liminares concedidas pelo Ministro Marco Aurélio.
Em novembro do ano passado, o jornal O Estado de São Paulo publicou matéria que noticiou o acúmulo de Habeas Corpus em tramitação sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio. Dos 3.298 Habeas Corpus em tramitação até aquele mês, Marco Aurélio era responsável pela relatoria de 1.426; ou seja, ele acumulava 47% de todos Habeas Corpus em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
DISTRIBUIÇÃO? – Apenas a título comparativo, o segundo Ministro com maior número de Habeas Corpus era Luiz Fux, que possuía apenas 291 processos sob sua relatoria. Já o Ministro Edson Fachin era o que menos possuía Habeas Corpus sob sua relatoria, apenas 152 processos.
Em outras palavras, no período mencionado, Marco Aurélio acumulava 4,9 vezes mais Habeas Corpus do que Luiz Fux e 9,3 vezes mais feitos do que Edson Fachin.
Ora, se a distribuição dos feitos no Supremo Tribunal Federal se faz de forma automática, igualitária e linear, por que Marco Aurélio possui, sozinho, quase a metade Habeas Corpus em tramitação no STF? E por que alguns Habeas Corpus permanecem em tramitação por longos períodos sem apreciação do colegiado, restrito apenas à responsabilidade de seu relator?
É preciso verificar a razão do acúmulo de Habeas Corpus existente sob a relatoria de Marco Aurélio Mello. É necessário que se analise a necessidade ou não de criação de força tarefa a fim de que tais feitos sejam finalizados.
CONTEÚDOS NEUTROS – Enfim, é fundamental que suas decisões individuais sejam apreciadas pelos demais Ministros, pois somente assim ter-se-á certeza do que são e se procedem os tais “elementos neutros”; ou se, na verdade, são suas decisões que são revestidas de conteúdos neutros, a serem prontamente refutados pelo pleno.
Enquanto nada for feito, a sociedade continuará a padecer diante de decisões que não guardam relação com a gravidade dos fatos, dos crimes e criminosos.

Enquanto nada for feito, o “goleiro” Bruno e tantos outros continuarão a festejar o carnaval, enquanto os familiares de suas vítimas permanecerão a chorar por suas faltas, mesmo aqueles que sequer tiveram a chance de velar os corpos ocultados pela frieza e desfaçatez de seus algozes.











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