Carlos Heitor Cony: Folha de São Paulo
Uma onda de insânia, um tsunami moral e financeiro fizeram o Rio de Janeiro dar um tiro no próprio pé. Depois do sucesso indiscutível da Olimpíada (sucesso efêmero, mesmo assim grandioso), a cidade, que continua sendo a capital cultural do Brasil, cantada por gregos e troianos como a mais maravilhosa do mundo em sua parte panorâmica, está amargando os piores momentos da sua história, o inverno de nosso descontentamento ("The winter of our discontent"), que já se transformou num inferno de nossa vergonha.
Não se trata de balas perdidas, guerra de traficantes do Complexo do Alemão e violência generalizada. Desta vez, o furo é mais em cima. São autoridades eleitas pelo povo que se transformam em "Al Capones" subdesenvolvidos, que sangram o dinheiro e a honra da cidade que já foi maravilhosa e hoje parece tenebrosa.
Entre os descalabros da semana que passou, o mais lamentável não foram as prisões de dois ex-governadores e outras autoridades estaduais.
O mais deplorável, e também o mais perigoso, foi a turma que invadiu a Câmara dos Deputados, em Brasília, clamando pela volta dos militares.
Até agora, pelo que se sabe, o Exército permanece em seu papel de "grande mudo". Apesar do recente e truculento movimento de 1964 que se prolongou por 21 anos, o povo, em sua maioria de classe média, começa a pensar numa solução cruenta, que ponha fim à corrupção e à incompetência que tiveram no PT sua maior expressão.
Desta vez não podemos culpar o imperialismo e a gula de países interessados em nossas riquezas naturais. Infelizmente, os desmandos atuais fazem parte do DNA de um povo que amanheceu cantando e agora anoitece chorando. O mais deplorável é que não chegamos ainda ao fundo do poço.
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