editorial da Folha de São Paulo
Mesmo antes da reunião de sexta-feira (28),
em que se encontraram Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e
Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, com a presença do
presidente da República, Michel Temer (PMDB), já arrefeciam os atritos
entre Legislativo e Judiciário que marcaram a última semana.
Após chamar de "juizeco" o magistrado de primeira instância que
determinou a prisão de quatro membros da polícia do Senado, Renan
conheceu merecida reação da ministra Cármen Lúcia, que refutou, como se
dirigida a ela própria, qualquer qualificação ofensiva contra membros da
Justiça.
O senador pediu desculpas pelo destempero; estava superado, de qualquer
modo, o motivo mais agudo de sua intervenção. É que, por decisão
provisória do ministro Teori Zavascki, foi suspensa, até segunda ordem, a
operação contra os agentes do Legislativo.
Não é a primeira vez que o presidente do Senado reage —de modo acerbo ou
velado— ao que classifica de excessos ou até abusos por parte dos
órgãos envolvidos com a investigação e o julgamento de escândalos de
corrupção.
Estava sem dúvida correto em alguns momentos, mas uma circunstância
indisfarçável compromete a credibilidade dos protestos de Renan: o
próprio senador está envolvido nas investigações da Lava Jato, sob a
suspeita de receber propinas —teriam sido R$ 32 milhões, de acordo com
um delator.
É, além disso, parte em uma denúncia prestes a ser apreciada pelo
plenário do STF, relativa a acontecimentos anteriores aos escândalos da
Petrobras. O peemedebista é acusado de valer-se de dinheiro da
empreiteira Mendes Júnior para pagar pensão a uma filha que teve fora do
casamento.
A depender do veredito, Renan se tornará réu na ação penal.
Nesse contexto, soam como movidas por interesse próprio as gestões
legislativas com vistas a coibir eventuais abusos de poder por parte de
magistrados, policiais e integrantes do Ministério Público.
Um projeto de lei apresentado em 2009 foi desengavetado em junho por
Renan; em meio às exacerbações recentes, noticiou-se que o presidente do
Senado se empenhava em acelerar sua tramitação.
Na melhor das hipóteses, Renan fabricou uma crise institucional para
desviar as atenções dos processos que precisa enfrentar; na pior, tem
mesmo a intenção de aprovar o projeto de lei. Que o senador e seus pares
saibam que será vista como ato de afronta e cinismo qualquer iniciativa
para mudar as regras em benefício próprio.
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