EDITORIAL O GLOBO
O Brasil patina num
contencioso político (em especial, o partidário) que, tanto quanto os
ajustes na economia, precisa ser enfrentado com urgência. São demandas
cujo equacionamento se impõe como missão urgente, de modo a enfrentar a
baixa qualidade da representação no Legislativo e no Executivo, terreno
onde germinam males crônicos (corrupção, assistencialismo, ações de toma
lá dá cá etc.), que contaminam o Congresso e, país afora, casas
legislativas, governos estaduais e prefeituras.
Nessa pauta, a
revisão das regras de formação de partidos, com a adoção de cláusulas de
desempenho, e de seu funcionamento (proibição de coligações em eleições
proporcionais, por exemplo) terá o sadio efeito de depurar o cenário
político nacional. No entanto, são temas que, por mais que se imponham à
saúde política do país, enfrentam fortes resistências.
Há
proposições nesse sentido no Congresso, mas não é fácil aprová-las. Por
outro lado, o país já contabiliza avanços importantes, ao menos no campo
da legislação eleitoral — dos quais a aprovação da Lei da Ficha Limpa,
uma iniciativa exógena nos tradicionais trâmites de projetos que chegam
ao Congresso, é a sua mais notável expressão. Criada por iniciativa
popular, desembarcou no Legislativo em Brasília ancorada em mais de um
milhão de assinaturas de apoio, uma demonstração de força que
desestimulou notórios grupos de parlamentares a desoxigená-la.
A
lei, aprovada em 2011 sob aplauso da sociedade, chancelada pelo Supremo
Tribunal Federal, é eficaz antídoto contra a presença na política de
personagens que a desqualificam e degradam. Com ela, a Justiça Eleitoral
ganhou um poderoso instrumento legal para barrar a candidatura de
condenados em segunda instância. Ressalte-se, como positivo, o cuidado
que a Ficha Limpa teve de buscar o anteparo de sentenças formuladas por
colegiado de juízes, uma forma de a legislação não servir a ações de
má-fé, ou a perseguições e picuinhas cartoriais eventualmente
estimuladas para prejudicar inimigos políticos em tribunais de primeira
instância. É um dispositivo avançado, cujo alcance saneador parecia ser
questão vencida. Portanto, surpreende a decisão da maioria do STF de, ao
julgar um processo, condicionar o enquadramento de prefeitos e
governadores na lei somente após sanção de maioria qualificada de
câmaras municipais e assembleias legislativas a processos de
desaprovação de contas. Até então, a Ficha Limpa os alcançava tendo como
motivo bastante — e justo, por criterioso — a condenação de suas
gestões orçamentárias por tribunais de contas.
Isso equivale, na
prática, a tirar do alcance purificador da lei esses maus políticos. É
da (má) tradição da política brasileira o controle de casas legislativas
regionais pelo chefe do Executivo, uma dominação que se dá por diversas
formas — em geral, no âmbito de deletérias práticas que fomentam a
corrupção. A interpretação do Supremo é passível de recurso, portanto de
nova abordagem do pleno da Corte. É a chance de o tribunal rever essa
incompreensível desidratação da lei.
extraídadeavarandablogspot




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