Luís Francisco Carvalho Filho: Folha de São Paulo
Caixa 2 é a designação para recursos financeiros paralelos à
contabilidade oficial. Sempre foi instrumento de sonegação fiscal e
corrupção. Mas o cerco se fecha: mecanismos de controle estão sendo
implantados em diversos países, o que tornará sua prática uma modalidade
arcaica de delinquência.
Pagamentos em "cash" (mais baratos pela não incidência de tributos) eram
vistos com naturalidade, formando uma corrente que alcançava o
faturamento das grandes empresas, a remuneração de profissionais
liberais, como médicos, advogados e arquitetos, a compra de imóveis. A
aceitação moral era ampla. A dinheirama circulava com facilidade,
inclusive pelo sistema financeiro, sem chamar a atenção. A festa acabou.
Tratados internacionais, políticas de "compliance" em corporações
empresariais, exigências de comunicação de movimentação atípica para
órgãos reguladores como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades
Financeiras), sistemas de informática interligados e penas rigorosas
para a lavagem de dinheiro reduzem drasticamente a viabilidade da
circulação de ativos não contabilizados.
O último bastião do sistema são os paraísos fiscais que alimentaram, a
partir de contas numeradas e da intermediação de doleiros, a
transferência global e sigilosa de fortunas. Mas a repressão ao
terrorismo, à corrupção e ao crime organizado exige o compartilhamento
desimpedido de informações bancárias. Por isso, no Brasil, o incentivo
para a repatriação de recursos depositados no exterior e não declarados
ao Banco Central é visto como oportunidade derradeira para a limpeza do
passado. O dinheiro frio perde interesse.
Diferentemente do que diz o ministro Geddel Vieira Lima, contribuição
para campanhas políticas pelo caixa 2 é crime sim. É crime tributário, é
crime eleitoral e pode sinalizar ocorrência de condutas mais graves,
como o enriquecimento ilícito.
As investigações da Lava Jato mostram que o caixa 2 se disseminou pelo
mundo partidário, sob o olhar complacente da Justiça Eleitoral, mas
revelam também que a criminalidade econômica tem capacidade de se
reacomodar: o modelo antigo do caixa 2 vai sendo substituído pela gestão
ardilosa do caixa 1, que retrata a contabilidade formal dos valores.
O sistema vigente de contribuição eleitoral veda a doação de pessoas jurídicas.
Mas uma empresa pode contratar os serviços de consultores que, de fato,
apresentam em contrapartida "relatórios" e "estudos". A remuneração,
acima da média de mercado, logo se transforma em distribuição de lucro e
os sócios da firma de consultoria, por decisão ideológica, é claro,
doam oficialmente, como pessoas físicas, parte do valor recebido para
certo candidato. Tudo previamente ajustado. A operação tem aparência
regular, os impostos são rigorosamente recolhidos, a origem da doação
está disfarçada.
É um exemplo singelo do que a criatividade pode construir em matéria de engenharia financeira.
Empresas amigas farão o papel intermediário de ocultação do real motivo dos pagamentos.
O desafio das autoridades é identificar, dentro da normalidade dos
negócios, a anatomia das operações simuladas. Cada vez menos os atos de
corrupção serão consumados de maneira tosca, com a entrega de pacotes de
dinheiro. Eles queimam a mão dos envolvidos.
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário