Demétrio Magnoli: Folha de São Paulo
A "morte do PT", essa profecia disseminada, não é um exercício de
análise política, mas a expressão triunfalista de um desejo autoritário.
O PT provavelmente sobreviverá. Contudo, o impeachment de Dilma e as
imputações penais a Lula assinalam o ocaso da hegemonia petista sobre a
esquerda brasileira.
Chega ao fim uma longa era de unificação partidária quase completa das
correntes de esquerda. A encruzilhada atual descortina os rumos
contrastantes da substituição de hegemonia ou de uma reunificação
pluralista. Batizemos o primeiro caminho como "partido-movimento" e o
segundo como "Frente Ampla".
O PSOL sonha construir-se como "partido-movimento", assumindo a posição
hegemônica no campo da esquerda. Suas referências são o Syriza, que
chegou ao poder na Grécia em 2015, e o Podemos, que naquele ano atingiu
votação similar à do Partido Socialista, disputando o posto de segundo
maior partido espanhol. O Syriza tem raízes no Synaspismos (Coalizão da
Esquerda Progressista), um movimento de unificação de correntes radicais
fundado em 1991. O Podemos nasceu das manifestações contra a
austeridade promovidas pelos "Indignados" a partir de 2011. Tanto um
como o outro expressaram uma dupla rejeição política: à
social-democracia e ao comunismo stalinista.
Os intelectuais do PSOL traçam um paralelo esquemático entre o PT e a
social-democracia europeia. Na falência do Pasok grego e na decadência
do PSOE espanhol, enxergam os funestos indícios do futuro próximo do PT.
Assim como a crise do euro abriu a via para a ascensão dos
partidos-movimento grego e espanhol, a crise do impeachment propiciaria a
troca de hegemonia no Brasil.
Anos atrás, um cartaz de Che Guevara adornava a porta do gabinete de
Alexis Tsipras, na sede do Syriza, enquanto Pablo Iglesias, o líder do
Podemos, cantava as glórias de Hugo Chávez. O PSOL repete os evangelhos
do castrismo e do chavismo, mas sua execução musical está atrasada em um
compasso. No governo, o Syriza experimentou uma cisão e sua facção
majoritária curvou-se à ortodoxia europeia, passando a ocupar o lugar
que foi do Pasok. Por seu lado, após o anticlímax das eleições de junho,
o Podemos anunciou um giro pragmático à centro-esquerda, borrifando
água na chama da rebeldia.
O principal arauto do caminho da "Frente Ampla" é Tarso Genro, dirigente
da Mensagem ao Partido, ala petista devotada à "refundação" do partido.
Seu modelo é a coalizão Frente Amplio, que governa o Uruguai desde
2005, apoia-se na central sindical PIT-CNT e se estende do centro à
extrema-esquerda, abrangendo democrata-cristãos, social-democratas,
comunistas e tupamaros. Partindo do reconhecimento de que se esgotou a
hegemonia do PT sobre a esquerda, a ideia da "mesa progressista" busca a
reunificação por meio de um mínimo denominador comum. Cada um na sua,
mas todos juntos na hora das eleições —eis o estandarte de Genro.
A "Frente Ampla" contempla interesses diversos. De um lado, evita o
isolamento de um PT declinante, açoitado pela ventania da
desmoralização. De outro, oferece lugares ao sol para a CUT, o MST, o
MTST, o PCdoB e a UNE, que já compraram seus bilhetes de ingresso à nau
das esquerdas. Mas a estratégia fracassará se não seduzir o PSOL,
deixando espaço à ascensão de um "partido-movimento". Os primeiros
sinais da tensão entre as estratégias conflitantes aparecem nas
campanhas municipais de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Nesses tempos de delinquência intelectual, o discurso partidário
dissimula-se sob o rótulo da ciência política. Mathias de Alencastro
reproduziu o clássico ardil dos antigos partidos stalinistas ao acusar o
PSOL de fazer o "jogo da direita" nas eleições paulistanas (Folha,
21/9). O intelectual-militante fantasiado de acadêmico exprime o desejo
inviável de voltar no tempo, reinstaurando a hegemonia que se estilhaça.
extraídaderota2014blogspot
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