Ruy Castro: Folha de São Paulo
Sempre foi assim. Um dia, o sujeito olhava em volta e se dava conta de
que, enquanto ele estava distraído, certas funções tinham deixado de
existir.
Aconteceu, por exemplo, quando as cidades brasileiras instituíram
minimamente um sistema de esgotos. Isso eliminou a humilhante tarefa,
reservada aos escravos, de recolher os dejetos nas casas, transportá-los
em balaios pelas ruas e despejá-los no mar. Já a luz elétrica aposentou
o acendedor de lampiões. E o automóvel tornou inútil o aguadeiro -
aquele que dava água aos cavalos.
Os leiteiros, tão populares há 50 anos com suas garrafas,
extinguiram-se. O leite passou a vir em caixas nos supermercados - além
disso, exceto eu, ninguém mais parece tomá-lo, nem os gatos. Os
datilógrafos também sumiram - no passado, só algumas pessoas sabiam
escrever à máquina; com o computador, todo mundo já nasce digitando.
Outra vítima do computador foi o linotipista, aquele que "compunha" os
textos nas gráficas - hoje, qualquer um é o seu próprio linotipista.
Leio no "Globo" sobre algumas profissões que em breve desaparecerão -
operador de telemarketing, consertador de relógio, caixa de banco,
árbitro de futebol ou de vôlei, corretor de imóveis, trabalhador rural -
e me coloco no lugar das pessoas que ainda hoje as exercem. Como será
estar profissionalmente condenado à extinção e saber disso?
Em compensação, observo que outras atividades parecem mais prósperas do
que nunca: passeador de cachorro, cantor evangélico, segurança de
celebridade, personal trainer, manicure a domicílio, D.J., grafiteiro,
tatuador. Como se vê, nem tudo está perdido.
Mas o que gosto mesmo é de ouvir o vendedor de vassouras que até hoje
passa sob a minha janela no Leblon, gritando "Olha a vassoura, olha o
vassoureiro!". Soa delicadamente a 1916. Ou a 1816.
extraídaderota2014blogspot
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