ARNALDO JABOR ESTADÃO
Eu também
quero ser feliz. Fico com inveja dos manifestantes que berram “Fora,
Temer”, orgulhosos, iluminados pela certeza de que lutam pelo bem do
Brasil. Tenho inveja deles. Nada é mais cobiçado do que a chamada “boa
consciência”, a sensação de estar do lado certo da história ou da
justiça. Tenho inveja de famosos artistas e intelectuais que aderiram à
causa do “Fora, Temer”, se bem que ainda não consegui entender o
labirinto ideológico dentro de suas cabeças que desemboca nesses
protestos. Fico inquieto, mas logo me tranquilizo, porque eles, pessoas
especiais, têm um fino saber e se tivessem tempo (ou saco) me
elucidariam sobre suas profundas razões. Esforço-me, mas ainda não
alcanço essa profundidade. Acho que tenho de me rever, fazer uma
autocrítica. Talvez eu seja levado por minha cruel personalidade que,
como eles dizem, não deseja o progresso do País. Eu sei que, ai de mim,
talvez eu não passe mesmo de um fascista neoliberal, mas também sou um
ser humano. Por isso, me entendam – eu quero ser salvo, doutrinado,
catequizado pelo saber histórico dos manifestantes. Peço, por favor, que
me ajudem a entender suas teses, para que eu saia das trevas da
ignorância. Eu sou um pobre homem alienado, mas quero me atualizar. Por
isso, trago algumas perguntas para me livrar dessas dúvidas
pequeno-burguesas.
Me expliquem porque a palavra de ordem é
“golpe, golpe”. Como assim? – pensei, na minha treva: se a Suprema
Corte, o Congresso, o Ministério Publico, a PGR, a Ordem dos Advogados, a
Associação dos Magistrados do Brasil levaram nove meses para cumprir o
ritual constitucional e legitimaram o impeachment, por que é golpe? A
turma do “Fora, Temer” deve saber. Talvez, alguém da direita tenha
envenenado a mente desses juízes, congressistas, advogados e
procuradores. Quem, na calada da noite, se reuniu com eles e juntos
planejaram um golpe contra a Dilma? Imagino a cena, tarde da noite num
bar de hotel: ministros e juízes bebem e celebram, às gargalhadas, um
plano para arrasar o PT. Me expliquem esse mistério, pelo amor de Deus.
Vejo,
com assombro de inocente inútil, que ignorei a estratégia bolivariana
quando Dilma declarou em campanha que, na economia, estávamos bem.
Frívolo que sou, achei que o Dilma estava mentindo; mas, logo lembrei
que era “mentira revolucionária” para ser eleita – hoje, entendo que
Dilma fez bem em encobrir um rombo de 170 bilhões de reais com dinheiro
dos bancos públicos.
Quebrou-se a Petrobrás, mas já posso ouvir
nossa “intelligentsia”: “os fins justificam os meios e, se a Petrobrás
era do povo, seu dinheiro podia ser expropriado para o bem do povo”. Na
mosca. Espantei-me com a visão de mundo que justificou a compra da
refinaria de Pasadena por um preço 30 vezes maior; pagamos por uma lata
velha um bilhão e meio de dólares. Mas eu, um idiota da objetividade,
tenho a convicção de que vocês me revelarão a límpida verdade: Dilma
sabia da venda, mas fez vista grossa em nome de nossa salvação. Afinal, o
que são um bilhão de dólares diante do socialismo (ou brizolismo)
triunfante que virá?
Às vezes, em minha hesitante mediocridade,
temi que os 50 mil petistas empregados no governo estivessem trabalhando
para o PT e não para a sociedade, mas já ouço a voz de grandes artistas
explicando-me, com doce benevolência, que a sociedade não é confiável e
que os petistas não eram infiltrados, mas vigilantes de sua missão no
futuro.
Houve um momento em que achei, ingenuamente, que a nova
matriz econômica de Dilma e Mantega era o rumo certo para a catástrofe.
Ou para o brejo. Mas, sei que os sapientes comunistas dirão que esse
será um brejo iluminista que acordará as mentes para a verdade. Assim,
respiro aliviado. Entendi-os: “mesmo a ruína poderá ser didática”. Eles
dirão, imagino, que um poder popular não podia se ater a normas
econômicas neoliberais e tinha de estimular o consumo. Isso criou 12
milhões de desempregados? Sim, mas, nossos teóricos rebaterão que, mesmo
quebrando o País e provocando inflação, esses 12 milhões sentiram o
gostinho das geladeiras e TVs e que isso é a criação de um desejo para o
socialismo. Na mosca.
Confesso também que fiquei desanimado com o
atraso de todas as obras prometidas, que o PAC não andou, que não
devíamos financiar portos e pontes em Venezuela, Angola e Cuba, mas eles
me ensinarão que a solidariedade internacional bolivariana é
fundamental para a vitória de seu projeto. Quero me penitenciar também
por ter me entusiasmado com a Lava Jato, que considerei uma mutação
histórica. Depois, lendo os jornais e as explicações de gente lúcida
como a barbie-bolivariana Gleisi Hoffman e Lindenberg Farias, o homem
que salvou Nova Iguaçú, voltei atrás e vejo que Moro e seus homens não
passam de fascistas que querem impedir o avanço das forças do progresso.
A Lava Jato, hoje o sei, é de direita.
Às vezes, reacionários
criticam o governo Dilma por gastar muito em publicidade, porque desde o
início do governo do PT foram gastos 16 bilhões de reais. Eu achava
isso errado, mas sábias palavras me provarão que a população é uma
grande “massa atrasada” e que há que lhes ensinar a verdade do
capitalismo assassino.
Também achei pouco elegante a difusão pelo
mundo da tese de que um golpe terrível tinha se passado no Brasil,
achei que uma presidenta não podia espalhar uma difamação sobre o
próprio país. Mas, artistas e intelectuais vão sorrir com superioridade e
me ensinar (já os vejo...) que a adesão internacional é mais importante
que velhas fronteiras nacionais.
Por isso, creio que estou
pronto para minha reforma mental. Estou pronto para renegar minhas
dúvidas pequeno-burguesas. E logo poderei fazer parte daqueles que
invejo por seus rostos iluminados de certeza, por sua sabedoria acima da
história e do obvio.
Assim, poderei participar desses protestos,
me sentir um revolucionário e gritar, de punho erguido e fronte alta:
“Fora, Temer!!”.
EXTRAÍDADEAVARANDABLOGSPOT
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