JOSÉ NÊUMANNE ESTADÃO
Ainda é difícil saber se, mesmo não estando mais incólume, o teflon que protegia Lula perdeu a capacidade de lhe manter o carisma. Antes de Renan, outros críticos desdenharam do pedido de sua prisão pelo promotor paulista Cássio Conserino. Tal impressão foi desfeita pela juíza Maria Priscila Ernandes Veiga Oliveira, da 4.ª Vara Criminal de São Paulo, que não achou a acusação tão imprestável assim: afinal, não a arquivou e, sim, a encaminhou para o citado Sergio Moro, titular da 13.ª Vara Federal do Paraná e responsável pela Operação Lava Jato, decidir. E as mesmas vozes ecoam esgares e esperneio da defesa de Lula contra o show de lógica clara dos “meninos de Curitiba”.
Acontece que em nada o dito espetáculo de uma semana atrás diferiu das coletivas anteriores, realizadas para a força-tarefa da Lava Jato comunicar à população, o que é necessário nesses casos pela gravidade dos crimes investigados e pela importância dos acusados sobre os quais recaem as acusações. À exposição sobre o cartel de empresas compareceram os mesmos procuradores, foi apresentado um libelo acusatório mais copioso (de quase 400 páginas à época e de 149 agora) e também se utilizaram recursos visuais (powerpoints) para ilustrar informações e explicações. Ainda como em todas as vezes anteriores, nesta a defesa do Lula respondeu apelando para recursos idênticos, e agora com uma agravante: a insistência numa frase para desmoralizar os procuradores, mas que não foi dita por nenhum deles: “Não temos provas, temos convicções”.
Em parte por nostalgia de suas ilusões, como milhões de brasileiros encantados com o coaxar rouco do líder que Brizola chamou de “sapo barbudo pra burguesia engolir”, em parte por medo da vingança do ex-ídolo, se lhe forem devolvidas as chaves dos cofres da viúva, os neocríticos crédulos perdem o sono. O pavor do chororô da jararaca que vira crocodilo é antigo. Em 2012, a delação proposta por Marcos Valério Fernandes, que cumpre pena pelo mensalão, sobre a compra do silêncio de um chantagista que ameaçava comprometer Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho na morte de Celso Daniel, sucumbiu à omissão do então procurador-geral, Roberto Gurgel, e do ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.
O episódio acima foi narrado ao juiz Sergio Moro por Marcos Valério Fernandes, cuja versão não foi levada em conta porque seria um “bandido apenado”, ao contrário dos cúmplices com mandato, indultados no Natal pela mui compassiva companheira Dilma Rousseff. Deles só José Dirceu e Pedro Corrêa ainda moram na cadeia, acusados de terem delinquido direto das dependências do presídio da Papuda.
A versão de Valério, no depoimento repetido quatro anos depois, coincide com outra, que não deveria ser desqualificada, de vez que foi narrada pela voz autorizadíssima do ex-líder dos governos petistas no Senado Delcídio do Amaral (sem partido-MS). Nos autos do processo criminal, Sua Ex-excelência contou que, no início do primeiro mandato, o governo Lula era “hermético” e dele só participavam aliados tradicionais. Disso Dirceu discordava, pois já tinha combinado com o presidente do PMDB, Michel Temer, a continuação da “governabilidade” gozada pelo antecessor tucano, Fernando Henrique. Ante a perspectiva do impeachment, contudo, o chefão constatou: “Ou abraço o PMDB ou eu vou morrer”. Eis aí a lápide que faltava no quebra-cabeças.
Esta explica por que a bem pensante intelligentsiabrasileira cantou em coro com os advogados dos empreiteiros nababos condenados por corrupção e a tigrada petralha o refrão “Valério bandido jamais será ouvido”, que manteve Lula fora do mensalão. E esclarece futricas da República de Florença em Brasília que põem o PMDB de Temer e Calheiros a salvo da luminosidade dos holofotes da História. Assim, enquanto acompanha Gil e Caetano entoando em uníssono “eu te odeio, Temer”, a esquerda vadia e erudita se acumplicia ao direito ao esquecimento que têm desfrutado o atual presidente e seus devotos do maquiavelismo no Cerrado seco.
Sabe por que esses celebrados “formadores de opinião” rejeitam a “nova ordem mundial” (apud Caetano Veloso, promovido sem méritos à companhia de Cecília, Drummond e Rosa, citados pela presidente do STF, Cármen Lúcia, em sua posse)? É que agora a corrupção não fica impune como dantes. E a maior evidência de que o velho truque de esconder castelos de areia sob tapetes palacianos escorre nos esgotos das prisões é o fato de os empreiteiros Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro optarem entre colaborar com a Justiça ou mofar na cadeia, por mais caros e bem relacionados que sejam seus causídicos. Só ficaram soltos os felizes mandatários que gozam de prerrogativa de foro. A patota desfruta o privilégio de não responder pelos próprios crimes e modificar as leis para moldá-las à sua feição.
É por isso que, enquanto faz juras públicas de amor à Lava Jato, o alto comando do Planalto planta suas “preocupações” com a excessiva vaidade ostensiva, capaz de, cuidado, comprometer o “digno” trabalho da força-tarefa. Pois saibam todos que estas linhas leem que a fraude Lula não engana mais a grande maioria, como já enganou um dia. E que, ao contrário de antes, ele vai desmoronar, mercê do combate mundial à formação de quadrilhas que usam a Justiça Eleitoral para lavar dinheiro sujo. De fato, Dallagnol e Pozzobon atiraram nos pés. Nos de Lula...
*Jornalista, poeta e escritor
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