Jornalista Andrade Junior

sábado, 24 de setembro de 2016

Entre borboletas e pardais -

 MONICA DE BOLLE ESTADÃO

Nos anos 70, um desastre ecológico sobreveio de medidas para controlar a superpopulação de coelhos no sul da Inglaterra. Foi-se a borboleta azul. A história é usada como metáfora em meu livro Como Matar a Borboleta Azul: Uma Crônica da Era Dilma. No fim da década de 50, início dos anos 60, Mao Zedong pediu aos camponeses chineses que matassem os pardais para evitar que comessem as sementes das plantações, o que agravaria a Grande Fome. A medida resultou na explosão de pestes que dizimaram os campos, agravando a fome e acelerando a morte de milhões de pessoas.

As duas histórias são exemplos reais de interferência humana no funcionamento de ecossistemas, nas complexas redes de interligações. O comércio internacional, hoje, com a multiplicação de interconexões entre empresas e países, com a intrincada distribuição global de partes e componentes, é um sofisticado ecossistema. Entram em cena dois candidatos, duas propostas. Tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump propõem medidas para modificar o ecossistema do comércio internacional, atendendo demanda de parte relevante da população que se vê ameaçada pelo ritmo da globalização. A ameaça é real: sucessivas administrações americanas não tiveram a vontade ou a capacidade de expandir programas para acolher aqueles que estavam perdendo empregos ou vendo sua renda diminuir. Contudo, o retrocesso comercial proposto por Hillary e Trump em nome do trabalhador guarda semelhanças com as estratégias dos ingleses em 1970 e dos chineses antes deles, estratégias cujo espólio foi morte e extinção.

Estudo recém-divulgado do Peterson Institute for International Economics (ver Noland et al (2016) “Assessing Trade Agendas in the US Presidential Campaign”, Policy Brief 16-6, setembro de 2016)desvela a tragédia anunciada das propostas dos candidatos. Comecemos por Hillary. A candidata democrata tem centrado seu discurso na necessidade de garantir que as leis comerciais existentes sejam cumpridas para eliminar potenciais abusos de parceiros comerciais. Em relação à China, a candidata opõe a concessão do status de “economia de mercado” pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela também já expressou preocupação com a tentativa de alguns países de desvalorizar em excesso suas moedas para ganhar vantagem competitiva. Para combater a prática, apoia legislação para impor aos produtos desses países tarifas retaliatórias. Hillary se diz contrária ao Acordo Trans-Pacífico negociado por Obama com onze países (TPP) e à Parceria Transatlântica de Investimentos (TTIP), com a Europa. Por fim, a candidata quer modificar a estrutura tributária americana para desincentivar o offshoring de empregos.

Ao atrasar a implantação do TPP, a economia americana poderia perder até US$ 123 bilhões por ano, diz o estudo. As demais medidas levariam ao esfriamento de relações com a China, e, por conseguinte, a perdas para empresas americanas hoje engajadas no comércio com o país asiático. Haveria, também, aumento danoso de custos caso empresas tenham de pagar impostos mais elevados para realocar a produção, com repercussões negativas para a atividade e o emprego.

Trump defende a imposição de uma tarifa de importação de 35% nos produtos mexicanos, de 45% nos produtos chineses, e a renegociação de todos os acordos comerciais existentes dos EUA. Além disso, o candidato já ameaçou retirar os EUA da OMC caso a imposição dessas tarifas permita ao órgão penalizar os EUA. Como mostra um dos autores do estudo, Gary Hufbauer, ao contrário do que se poderia imaginar, o presidente da República pode revogar acordos, inclusive a inserção na OMC, unilateralmente – isto é, sem aprovação do Congresso. As perdas caso tudo isso seja feito? Algo como a extinção de todas as borboletas, de todos os pardais, de todos os empregos – ou, senão de todos, de muitos. Os cenários de guerra comercial traçados no estudo mostram que a economia americana entraria em recessão até 2019 e que a taxa de desemprego subiria dos atuais 4,9% para 8,6% até 2020.

Entre borboletas e pardais estão os EUA entre a cruz e a espada.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University























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