MONICA DE BOLLE ESTADÃO
As duas histórias são exemplos reais de interferência humana no funcionamento de ecossistemas, nas complexas redes de interligações. O comércio internacional, hoje, com a multiplicação de interconexões entre empresas e países, com a intrincada distribuição global de partes e componentes, é um sofisticado ecossistema. Entram em cena dois candidatos, duas propostas. Tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump propõem medidas para modificar o ecossistema do comércio internacional, atendendo demanda de parte relevante da população que se vê ameaçada pelo ritmo da globalização. A ameaça é real: sucessivas administrações americanas não tiveram a vontade ou a capacidade de expandir programas para acolher aqueles que estavam perdendo empregos ou vendo sua renda diminuir. Contudo, o retrocesso comercial proposto por Hillary e Trump em nome do trabalhador guarda semelhanças com as estratégias dos ingleses em 1970 e dos chineses antes deles, estratégias cujo espólio foi morte e extinção.
Estudo recém-divulgado do Peterson Institute for International Economics (ver Noland et al (2016) “Assessing Trade Agendas in the US Presidential Campaign”, Policy Brief 16-6, setembro de 2016)desvela a tragédia anunciada das propostas dos candidatos. Comecemos por Hillary. A candidata democrata tem centrado seu discurso na necessidade de garantir que as leis comerciais existentes sejam cumpridas para eliminar potenciais abusos de parceiros comerciais. Em relação à China, a candidata opõe a concessão do status de “economia de mercado” pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela também já expressou preocupação com a tentativa de alguns países de desvalorizar em excesso suas moedas para ganhar vantagem competitiva. Para combater a prática, apoia legislação para impor aos produtos desses países tarifas retaliatórias. Hillary se diz contrária ao Acordo Trans-Pacífico negociado por Obama com onze países (TPP) e à Parceria Transatlântica de Investimentos (TTIP), com a Europa. Por fim, a candidata quer modificar a estrutura tributária americana para desincentivar o offshoring de empregos.
Ao atrasar a implantação do TPP, a economia americana poderia perder até US$ 123 bilhões por ano, diz o estudo. As demais medidas levariam ao esfriamento de relações com a China, e, por conseguinte, a perdas para empresas americanas hoje engajadas no comércio com o país asiático. Haveria, também, aumento danoso de custos caso empresas tenham de pagar impostos mais elevados para realocar a produção, com repercussões negativas para a atividade e o emprego.
Trump defende a imposição de uma tarifa de importação de 35% nos produtos mexicanos, de 45% nos produtos chineses, e a renegociação de todos os acordos comerciais existentes dos EUA. Além disso, o candidato já ameaçou retirar os EUA da OMC caso a imposição dessas tarifas permita ao órgão penalizar os EUA. Como mostra um dos autores do estudo, Gary Hufbauer, ao contrário do que se poderia imaginar, o presidente da República pode revogar acordos, inclusive a inserção na OMC, unilateralmente – isto é, sem aprovação do Congresso. As perdas caso tudo isso seja feito? Algo como a extinção de todas as borboletas, de todos os pardais, de todos os empregos – ou, senão de todos, de muitos. Os cenários de guerra comercial traçados no estudo mostram que a economia americana entraria em recessão até 2019 e que a taxa de desemprego subiria dos atuais 4,9% para 8,6% até 2020.
Entre borboletas e pardais estão os EUA entre a cruz e a espada.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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