MERVAL PEREIRA O Globo
A expectativa no
Ministério Público em Curitiba é que a decisão do juiz Sérgio Moro sobre
a denúncia contra o ex-presidente Lula seja conhecida dentro de um
prazo máximo de dez dias, a se confirmar a média de suas decisões
anteriores.
Os procuradores não têm dúvidas sobre as acusações de
corrupção passiva e lavagem de dinheiro em relação ao tríplex de
Guarujá e ao armazenamento de pertences de Lula, mas admitem que não
deixaram clara ao grande público a justificativa para ressaltar o papel
do ex-presidente como chefe de todo o esquema de corrupção.
Era
preciso caracterizar a ação de Lula à frente do esquema, o que é objeto
de um processo a cargo da Procuradoria-Geral da República, para que ele
pudesse ser responsabilizado pelo total de prejuízos que os procuradores
atribuem em propinas pagas pela OAS em três contratos da empreiteira
com a Petrobras, nas obras das refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e
Repar, no Paraná, num montante de R$ 87 milhões.
Embora essa
ligação esteja bastante explicitada na denúncia — que tem 179 páginas e
mais de duas centenas de anexos, e portanto o juiz Sérgio Moro terá
todas as explicações necessárias sobre as bases das acusações —, o
procurador Deltan Dallagnol não a enfatizou, o que levou à impressão de
que surgira do nada a denúncia de que o ex-presidente é o “comandante
supremo” do esquema que foi conceituado como “propinocracia”, o governo
movido a propinas.
A retórica de acusação utilizada pelos
procuradores, especialmente pelo coordenador da força-tarefa, Deltan
Dallagnol, considerada exagerada, deu margem a que o ex-presidente Lula
se vitimizasse como perseguido pela LavaJato, e permitiu que eles fossem
acusados de nutrirem ódio pessoal ao ex-presidente, o que levou a que
os advogados de Lula pedissem ao Conselho Nacional do Ministério Público
o afastamento dos procuradores que atuam hoje na Lava-Jato em Curitiba.
É
apenas um movimento político dos advogados, sem consequências práticas,
mas deveu-se a uma falha já detectada na apresentação pública do caso.
Apesar de todas as dúvidas lançadas pelos sites de apoio ao
ex-presidente Lula, não há indicação de que os procuradores de Curitiba
tenham se conflitado nem com o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, nem com o juiz Sérgio Moro, que estava no exterior no dia da
apresentação.
Janot sabia que a acusação contra Lula de maneira
mais ampla, como chefe do esquema de corrupção na Petrobras e em outras
estatais, seria utilizada por Dallagnol justamente para basear o pedido
de bloqueio de R$ 87 milhões de Lula e demais acusados.
Quanto ao
fato de que “apenas” R$ 3,7 milhões de desvio para benefício pessoal
sejam atribuídos a Lula, os procuradores lembram que esta é apenas a
primeira denúncia contra ele, e vários outros processos, envolvendo
muito mais dinheiro, estão em andamento, especialmente o que investiga a
atuação de Lula como lobista de empreiteiras nacionais no exterior e a
ligação das palestras pagas por essas mesmas empreiteiras pela ajuda
junto a governos estrangeiros.
Os evidentes exageros retóricos
dos procuradores de Curitiba foram fartamente compensados, porém, pelos
arroubos retóricos de Lula, que, além de se comparar a Jesus Cristo,
cometeu um suicídio político quando, querendo atacar os procuradores,
atacou todos os servidores públicos concursados com a frase que já
viralizou na internet: “A profissão mais honesta é a do político. Por
mais ladrão que seja, todo ano ele tem que ir para a rua tentar voto. O
concursado, não, faz uma faculdade e tem emprego garantido pelo resto da
vida”.
O Lula, que já disse que havia mais de 300 picaretas no
Congresso, hoje defende a tese do “ladrão honesto”, demonizando ao mesmo
tempo quem presta concurso público depois de fazer uma faculdade.
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