editorial do Estadão
Se o presidente Michel Temer quer mesmo combater a desinformação,
neutralizar boatos e preservar o governo de suspeitas e acusações sem
fundamento, deve começar melhorando a comunicação do Executivo. Nenhum
rumor sobre redução de gastos em saúde e educação ou sobre conspiração
contra os direitos do trabalhador surgiu do nada ou foi meramente
inventado por detratores. Todos os mal-entendidos surgiram de confusões
criadas pela equipe governamental. Ministros falam na hora errada,
contam histórias perigosamente incompletas, tratam de assuntos fora de
sua área e agem, perante a imprensa, como se a sua primeira e maior
preocupação fosse aparecer e ocupar espaço e tempo nos meios
informativos. Em resumo, o governo se comunica de forma desorganizada e
amadora e irresponsável, mas o presidente parece desconhecer esse fato.
Ele aproveitou uma cerimônia no Palácio do Planalto, na terça-feira
passada, para criticar as “versões” difundidas pelas redes sociais,
bateu com a mão no púlpito, esbravejou e proclamou a quantos pudessem
ter interesse em saber: “Convenhamos, é muito desagradável imaginar que
um governo seja tão – se me permitem a expressão um pouco mais forte –
tão estupidificado, tão idiota, que chega ao poder para restringir
direitos dos trabalhadores, para acabar com saúde, para acabar com
educação”. Na mesma explosão, queixou-se da difusão, por vários meios,
de uma notícia sobre suposta intenção do governo de ampliar para 12
horas a jornada de trabalho.
O presidente seria mais justo se reconhecesse um fato muito diferente do
objeto de sua reclamação. Tem havido muito trabalho, em redações, para
decifrar as informações mal divulgadas por fontes oficiais,
interpretá-las e limpar as notícias de impropriedades ou de meros
absurdos. Isso ocorreu no caso das declarações sobre jornadas: em certas
circunstâncias poderão chegar a 12 horas, sempre sem rompimento do
limite semanal já fixado. Pode haver novidade num detalhe, a adoção de
horários flexíveis, mas o critério básico já é observado no País.
Confusões semelhantes ocorreram a partir de comentários ineptos e mal
planejados sobre mudanças no regime de uso do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS). Gente do governo foi igualmente infeliz ao tratar
publicamente da reforma da Previdência, da forma de limitação do aumento
do gasto público e até da execução orçamentária deste ano. Exemplo: o
ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, foi especialmente infeliz
ao mencionar, em agosto, o déficit primário acumulado: “Estamos chegando
a R$ 169 bilhões e ainda temos cinco meses pela frente”, disse ele,
como se aquele fosse o saldo já contabilizado no ano.
Que outra interpretação seria possível, depois da referência aos “cinco
meses pela frente” e de uma referência a limites orçamentários “muito
próximos de estourar”? Mas aquele era o déficit acumulado em 12 meses,
algo muito diferente. Esse detalhe foi obscurecido na declaração confusa
e parte do noticiário publicado pela imprensa foi prejudicada por essa
imprecisão.
O governo está empenhado em implantar, segundo fontes ligadas ao
Executivo, uma “nova estratégia de comunicação”, voltada para rebater as
críticas, a eliminar as confusões e a mostrar com clareza a herança
maldita deixada pela administração petista. De fato, essa herança nem
sempre tem sido mostrada com suficiente clareza e o governo se arrisca a
ser apontado como responsável por enormes problemas criados no período
anterior.
Mas a nova estratégia seria muito mais eficiente se incluísse uma
redução do falatório ocioso, maior cuidado na transmissão de
informações, menos ligeireza na divulgação de balões de ensaio. O
governo e o País ganhariam se os ministros se empenhassem menos em
aparecer e fossem mais contidos ao falar em nome do Executivo. Mas, além
de tudo, é um tanto exagerado falar em nova estratégia de comunicação
quando o governo ainda carece, como se vê no dia a dia, de uma política
de informação conduzida profissionalmente.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário