Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Lula é um homem de visão, não um reles novo-rico -

 DEMÉTRIO MAGNOLI FOLHA DE SP

A montanha pariu um camundongo? No centro do diagrama acusatório das procuradores da Lava Jato, o nome de Lula aparece como nexo de todas as operações de corrupção abrangidas pelo "petrolão". O ex-presidente é o "grande general" de uma "propinocracia", sistema político batizado pelo procurador Deltan Dallagnol. Mas, anticlímax, as acusações cingiram-se aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, concentrando-se no sítio e tríplex. Se é isso que têm os investigadores —uns poucos milhões, dinheiro de troco para um mero Pedro Barusco— o "grande general" precisaria ser rebaixado a simplório sargento —e a Lava Jato provaria, uma vez mais, a validade perene do conselho lampedusiano de Tancredi: "Para que as coisas permaneçam iguais, tudo deve mudar".

Os procuradores sabem, provavelmente, o que não sabemos —e talvez sigam um roteiro coerente. Mas, nas tramas policiais, uma linha reta é o caminho mais tortuoso entre dois pontos —e, no caso de Lula, a Lava Jato parece hipnotizada pela conexão óbvia entre os singelos presentes patrimoniais oferecidos aos Lula da Silva e a "advocacia administrativa" prestada pelo ex-presidente à OAS e à Odebrecht. As eventuais provas desses crimes conduziriam Lula a condenações menores. Contudo, soterrariam a incrível história da expansão do capitalismo brasileiro de compadrio na América Latina e na África.

O esquema básico envolvia a associação entre Lula, o governo local e a Odebrecht na contratação de vultosas obras de infraestrutura. Funcionou no Panamá, na Argentina, no Equador, na Venezuela, na República Dominicana, em Cuba, Gana, Angola e Moçambique. O quarto elemento era o BNDES, fonte de financiamentos subsidiados em todos esses países. As palestras de Lula no exterior, sábias exposições da arte de governar, indicariam uma estratégia de remuneração direta, mas não devem ser superestimadas. Um quinto elemento na articulação internacional era João Santana, um publicitário que lava mais branco, responsável por candidaturas governistas em todos os países-alvo, menos Moçambique e, claro, Cuba, onde seus múltiplos serviços especializados são desnecessários.

Com Rexona, sempre há lugar para mais um. A Odebrecht, marca registrada do progresso nacional, foi a principal beneficiária dos financiamentos do BNDES destinados a obras no exterior. Mas empresas igualmente impolutas como a Queiroz Galvão, a Camargo Correa, a Andrade Gutierrez e a OAS ganharam a parte que lhes cabia no extenso latifúndio. A seleção, pelo BNDES, de projetos em países com controles institucionais débeis ou inexistentes evidencia uma das facetas sórdidas da história: no site do banco de investimentos, onde está escrito "financiamentos de exportação", o correto seria algo como "subsídios para operações internacionais de corrupção".

Angola é o nó mais interessante do tricô geopolítico dos negócios lulistas. As frequentes viagens de Lula ao país africano transferiam credenciais democráticas ao presidente José Eduardo dos Santos, junto com aportes do BNDES de US$ 4 bilhões, valor 36% superior ao do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia para 2015. O ditador angolano, chefe de um regime cleptocrático, governa desde 1979 e deu sumiço na modesta soma de US$ 32 bilhões em rendas petrolíferas pertencentes ao tesouro nacional.

Além de Lula, figura no seu círculo de amigos o ex-premiê português José Sócrates, que clama contra o impeachment de Dilma enquanto aguarda em liberdade provisória seu julgamento por acusações de corrupção já registradas nos autos da Lava Jato.

Lula é um homem de visão, não um reles novo-rico. O diagrama da Lava Jato parece obra de amadores —mas os procuradores que o desenharam são profissionais. Sugiro convidarem Maria Silvia Bastos Marques para a força-tarefa.
















extraídadeavarandablogspot

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