MÍRIAM LEITÃO O Globo
Para se defender bem,
Lula terá que ir além da teoria da conspiração e da perseguição
política. A defesa do ex-presidente Lula atacou o procurador Deltan
Dallagnol como se ele tivesse agido sozinho. “Sua conduta é política e
incompatível com o Ministério Público”, disse o advogado Cristiano
Zanin. Minutos antes, Deltan já havia respondido a essa acusação. Disse
que mais de 300 funcionários públicos, concursados, de diversos órgãos,
trabalharam em conjunto de forma “técnica, imparcial e apartidária”.
Essas
duas falas juntas mostram dois mundos. “Nasce hoje um novo Brasil sob a
batuta de Deltan Dallagnol”, leu o advogado, insistindo na ideia de que
o trabalho de um só homem havia produzido a denúncia contra o
ex-presidente. A entrevista em Curitiba derrotava essa linha de defesa.
Eram duas mesas longas, com vários procuradores, delegados da Polícia
Federal, auditores da Receita Federal. Um mundo, o da defesa de Lula,
acreditava numa conspiração comandada por um procurador contra Lula
“apenas porque ele foi eleito e reeleito presidente do Brasil”, e o
outro mostrava agentes públicos agindo em rede para se chegar ao que
Dallagnol chamou de “quebra-cabeças probatório”.
Durante a
entrevista, os advogados de Lula rebateram os diversos indícios de que a
cobertura de Guarujá foi preparada, reformada, mobiliada para ser
oferecida como um benefício para Lula com argumentos que têm uma óbvia
lacuna. A cota-parte de um apartamento teria sido adquirida por Marisa
Letícia em 2005, mas só em 2014 a família foi visitar o apartamento para
saber se queria mesmo adquirir e só em 2015 entrou na Justiça para
reaver o dinheiro aplicado. Já o Ministério Público tem, para
apresentar, conexões muito mais robustas. Sustenta que o apartamento e a
armazenagem de bens, onde se lia que iriam para a “praia” ou para o
“sítio”, foram parte de pagamentos de vantagens obtidas ilegalmente pela
OAS em contratos na Petrobras.
Ao longo de todo o devido
processo legal, tudo se esclarecerá. Se o que os procuradores, policiais
federais e auditores da Receita mostraram em Curitiba for apenas
fantasia que não se sustenta em prova alguma, Lula e Marisa Letícia nada
têm a se preocupar. Se é uma idiossincrasia de apenas um procurador que
age por motivações políticas, então também não será um problema para os
denunciados, porque a Justiça tem as mais diversas instâncias para
corrigir qualquer acusação sem prova.
Mas se o que estamos vendo é
uma etapa de um processo que exigiu, como disse o procurador Roberto
Pozzobon, a análise de centenas de gigabytes de informação para se
formar a convicção que levou à denuncia o ex-presidente, os denunciados
estão em apuros. Para essa análise, colaboraram funcionários de órgãos
diferentes do setor público. Essa é a novidade que se abateu sobre o
mundo do ex-presidente: o combate à corrupção no país se dá de forma
institucional e parte de órgãos que colaboram entre si. Não é uma
questão pessoal. Essa mesma força pública está sobre outros investigados
por corrupção no país, seja ele integrante dos governos do PT, do PMDB,
seja de que partido for. O país está determinado a combater a
corrupção, e os agentes públicos atuam de forma conectada. O que está
acontecendo é resultado de 30 anos de democracia, de 30 anos de
Ministério Público independente, dos esforços de diversos governos,
inclusive do próprio Lula, de fortalecer o setor público com
funcionários especializados em diversos órgãos.
O que houve ontem
foi mais uma etapa de um longo processo que se desdobrou em dezenas de
fases e que provou que a Petrobras foi saqueada por uma conspiração que
uniu empresários, políticos e integrantes dos partidos que estavam na
coalizão de governo. Ontem, o MP deu um passo adiante e afirmou, com
base em 14 evidências, que Lula foi o mentor, o comandante máximo, o
maestro, o general do esquema que lesou os cofres da maior empresa do
país.
Que o crime foi perpetrado não há dúvida. Se Lula era o
comandante, é a hipótese que o Ministério Público apresenta agora,
dizendo que isto está “acima de qualquer dúvida razoável”. Para
Dallagnol, “provas são pedaços da realidade que formam convicção”. Mas
há daqui para diante uma enorme estrada jurídica. Será preciso a Justiça
receber a denúncia para então começar a transitar em julgado. Nesta
estrada, a defesa terá tempo e meios de derrubar as acusações, se elas
forem falsas.
extraídadeavarandablogspot




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