Editorial do Estadão:
Deve-se comemorar, e muito, a cassação do deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) pela esmagadora maioria de 450 votos a 10. O resultado foi uma
clara demonstração de que, do mesmo jeito que o apoiaram enquanto isso
lhes interessou, os oportunistas do “Centrão” o abandonaram em massa
quando perceberam o vento soprando em outra direção.
Poucas vezes, na história da República, como nesse caso,
testemunhou-se tamanha desfaçatez no Congresso Nacional. Profundo
conhecedor do regimento interno da Câmara e do tíbio caráter de uma
parte considerável de seus colegas, Cunha soube como poucos explorar as
imensas fragilidades das pessoas e do sistema político atual para
amealhar poder e submeter a agenda política e os interesses do País ao
mais rasteiro gangsterismo. Mas a virada dessa página sombria da
história do Parlamento nacional não pode obnubilar o fato de que Cunha
não é a doença, mas apenas seu sintoma. E a recidiva será inevitável se o
País não realizar mudanças drásticas na estrutura que engendrou esse
mal.
Para entender como funciona essa estrutura, basta recapitular de que
modo Cunha construiu seu império na Câmara. O indigitado gabava-se de
controlar pelo menos 150 deputados, cooptados segundo o mesmo modelo que
consagrou a era lulopetista: o toma lá dá cá. Os aliados que Cunha
comprou foram seduzidos pela desenvoltura com que o deputado circulava
entre empresários dispostos a bancar campanhas e também pela sua
influência nos corredores da administração pública. Nascia assim o
“Centrão”, nome que guarda dose incomum de cinismo mesmo para os padrões
do atual Congresso.
Por “Centrão” entenda-se não o espectro político de centro – legítima
aspiração de grupos que pretendem se apresentar à sociedade como
moderados –, mas sim aqueles políticos que, na imorredoura definição de
Gilberto Kassab, não são nem de direita, nem de esquerda, nem de centro.
Ou seja, são parlamentares de partidos que não se definem por qualquer
plataforma política identificável nem representam alguma ideia ou
proposta. Sua atuação se limita a aproveitar oportunidades para auferir o
maior ganho financeiro e de poder no mais curto tempo.
Eduardo Cunha, com justiça, pode ser considerado, dessa chusma de
oportunistas, seu primus inter pares, mas o fato é que o agora
ex-deputado não os criou. Eles já estavam lá, disponíveis para se
associar a quem lhes oferecesse o que desejavam. E Cunha, provavelmente
por ser ele mesmo um egresso desse baixo clero, intuiu que ali estava
uma grande chance para subir na vida e na hierarquia da República –
chegou à presidência da Câmara e acalentava o sonho de voos mais altos.
Para o País, o que interessa agora é saber como desmontar o mecanismo
que permitiu a eleição de gente tão desqualificada para a vida
parlamentar. É urgente reformular integralmente o sistema que deu
participação no Congresso a mais de 30 partidos políticos. Mesmo que se
leve em conta a proverbial criatividade brasileira, não há ideologias ou
plataformas políticas para tantos partidos, razão pela qual não é
possível esperar que a maioria deles represente algo senão o interesse
de seus proprietários.
Esses partidos e deputados “avulsos” foram comprados pelos governos
petistas, que os transformaram em base de apoio em troca de participação
no butim estatal, na expectativa de aprovar seus projetos sem a
incômoda necessidade de dar satisfação ao eleitorado. O
“presidencialismo de coalizão”, já em si uma aberração, fruto da
fragmentação política, transformou-se assim em “presidencialismo de
cooptação”, em que aliados são atraídos não em razão de projetos do
interesse público, mas na base da oferta de espaço no governo e de
outros benefícios impublicáveis.
Portanto, não se pode perder de vista que Cunha não é causa, mas
consequência de um modelo desenhado para descaracterizar o Congresso
como o locus da representação democrática, pois esta pressupõe
compromisso com o eleitor. Sem uma reforma política profunda, que
restabeleça o valor do voto e o respeito pela vontade dos cidadãos,
outros Cunhas virão.
extraídadecolunadeaugustonunesfeiralivreveja




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