Editorial do Estadão:
A quinta-feira passada foi um dia de
importantes vitórias para a presidente Dilma Rousseff. O processo de
impeachment ganhou novos e sólidos obstáculos no Supremo Tribunal
Federal e no Congresso. Além disso, o PMDB rachou de vez, exatamente
como Dilma queria, fragilizando o grupo do vice-presidente Michel Temer,
herdeiro de seu cargo em caso de impeachment.
Acuada por uma imensa crise que expõe a cada
dia sua incapacidade de permanecer na presidência, Dilma deve ter
mandado soltar rojões e abrir champanhe para comemorar o raro triunfo.
No entanto, sem querer azedar a festa da presidente, é preciso dizer que
o único resultado concreto dos acontecimentos da quinta-feira é que a
presidente, na prática, se tornou de vez refém do presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL).
Alvo de seis inquéritos no âmbito da Lava Jato
e com um currículo que inclui uma renúncia à presidência do Senado para
escapar da cassação, Renan passou a ser o principal avalista de Dilma
no Congresso. É evidente que o senador alagoano tem todo interesse em
proteger a presidente, pois espera reciprocidade. Se esse arranjo vai
funcionar ou não, é impossível saber, mas há coincidências que ajudam a
traçar algumas perspectivas.
O procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, está sendo especialmente célere e duro no que diz respeito ao
processo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
reconhecido como o grande desafeto de Dilma no Congresso. Não apenas
denunciou o deputado no Supremo, sob acusação de receber propina no caso
da Petrobras, como agora pediu o afastamento de Cunha da presidência da
Câmara, argumentando que o parlamentar transformou a Casa em “balcão de
negócios” e que usa seu cargo para proteger a “organização criminosa”
que integra.
Há evidências mais do que suficientes para
considerar que Janot tem razão em todas as suas denúncias, e por esse
motivo Cunha não só deveria ter sido afastado de seu cargo há tempos,
como certamente já deveria ter perdido o mandato. No entanto, o
procurador-geral não tem sido tão diligente quando se trata do caso de
Renan Calheiros – que, assim como Cunha, tem contra si carradas de
denúncias.
Em delação premiada, devidamente homologada
pelo Supremo, o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor
Cerveró disse que intermediou pagamento de propina para Renan, fruto de
desvio de vários contratos da estatal. Versão semelhante foi dada por
outro delator, o lobista Fernando Baiano. Além disso, o ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa disse em delação premiada
que Renan recebia uma parte dos contratos da Transpetro, subsidiária da
estatal, quando esta era presidida por Sergio Machado – que ocupava o
cargo por indicação pessoal do senador alagoano.
Apesar dessas e de outras suspeitas, Janot
ainda não ofereceu denúncia contra Renan – e esse delongamento, motivado
sabe-se lá por quais razões, tem sido muito conveniente tanto para o
senador quanto para Dilma.
Sem ser incomodado pela Justiça, Renan,
associado a Dilma e ao ex-presidente Lula, está à vontade para articular
o enfraquecimento de Michel Temer, à luz do dia. A presidente, com a
ajuda do senador, interferiu pessoalmente na escolha do líder do PMDB na
Câmara, atuando em favor do grupo que se opõe a Temer e ao impeachment.
Além disso, Renan ajudou a aprovar, no Senado, requerimento para que se
investigue se decretos assinados pelo vice no exercício da presidência
ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal. Por fim, Temer está cada vez
mais isolado no PMDB e corre o risco de ser afastado da presidência do
partido e de se inviabilizar como alternativa a Dilma.
Tudo nesse contubérnio pode parecer muito
astuto, mas o fato é que, para se manter na presidência, Dilma entregou
anéis e dedos a Renan Calheiros – a quem cabe dirigir, no Senado, um
eventual processo de impeachment. Enquanto o senador não tiver de
finalmente prestar contas à Justiça, está nas mãos dele o destino da
presidente.
EXTRAÍDADECOLUNADEAUGUSTONUNESOPINIAOVEJA
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