por Clóvis Rossi Folha de São Paulo
Simon Kuper, em sua coluna da sexta-feira (18) para o "Financial Times",
trata do desinteresse pela política e fecha o texto com a anotação do
diário de Franz Kafka no dia 2 de agosto de 1914:
"A Alemanha declarou guerra à Rússia. Natação à tarde."
É razoável suspeitar que milhões de brasileiros tenham postado nos seus
Facebooks (diários estão fora de moda) algo parecido no domingo (13) e
na quarta-feira seguinte (16): "Manifestação pelo impeachment (ou
contra, respectivamente). Balada à noite".
É claro que uma guerra é imensamente mais importante que a guerra pelo lugar de Dilma Rousseff.
Mas é igualmente claro que um impeachment é uma situação tão
tremendamente crítica que merece uma participação, contra ou a favor,
muito, mas muito, muito maior do que a que houve na semana que passou.
O pequeno número de manifestantes não chega, no entanto, a surpreender:
brasileiro só se mobiliza de 20 em 20 anos, aproximadamente (ou durante
as Copas do Mundo, o que não deixa de ser eloquente).
É razoável supor que essa apatia é filha, direta ou indireta, de dois
fatores: uma sociedade invertebrada e um sistema político-partidário que
é uma autêntica esculhambação.
Aplico ao Brasil o raciocínio de Josep Ramoneda, um dos mais instigantes
pensadores espanhóis, para explicar o rompimento do bipartidarismo em
seu país, que ficará cristalizado nas eleições deste domingo (20), se as
pesquisas estiverem certas.
Escreveu Ramoneda para "El País": "Para que o bipartidarismo
funcione, requer-se que os mecanismos de alternância estejam
afinados. Quando um dos dois partidos está exausto, o outro tem
que estar pronto para substituí-lo".
Agora, voltemos ao Brasil: para comprovar que o PT, o governante de
turno, está exaurido, basta dar uma olhada na carceragem da Polícia
Federal e nas estatísticas econômico-sociais.
Mas as peças de reposição não estão prontas.
Quer dizer, elas (a ala Temer do PMDB e o PSDB) estão ávidas para tomar o
poder (a outra ala peemedebista está igualmente ávida para continuar
desfrutando de suas boquinhas).
Mas o público não demonstra o menor entusiasmo por qualquer das alternativas disponíveis no mercado político-partidário.
Basta dar uma olhada nas pesquisas do Datafolha sobre o apoio a um
eventual governo Temer, a perspectiva mais imediata de substituição de
Dilma. Ou sobre a intenção de voto em Aécio Neves, que seria a
reposição, a mais longo prazo.
Nem Luiz Inácio Lula da Silva, que já gozou de uma aura de "Padim Ciço"
nos áureos tempos, tem agora uma intenção de voto superior ao medíocre
patamar do presidente do PSDB.
Tudo isso em um cenário que permite a ironia de Andres Schipani, na
coluna sobre América Latina do "Financial Times": citando o lançamento
do novo filme da saga "Star Wars", Schipani brinca que "nem mesmo
Harrison Ford seria capaz de salvar a princesa Dilma".
Tudo somado, a grande maioria dos brasileiros repetiria Kafka e anotaria na agenda mais "Star Wars" do que impeachment.
extraídaderota2014blogspot
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