por Marcos Troyjo Folha de São Paulo
Diz-se que o mercado teme –e o PT aplaude– a chegada ao Ministério da Fazenda de um titular adepto do "desenvolvimentismo".
Em suposto contraste com seu antecessor, da Escola de Chicago, o novo
ministro poderia, pela força de sua filiação ideológica, contornar
ajustes recessivos e irrigar a economia com crédito.
Sua ótica "estruturalista" abrangeria atenuar o aperto fiscal e retomar o
crescimento a partir de uma função empreendedora de bancos oficiais e
companhias estatais.
Tais medidas se dariam em contraponto à soberania do "deus-mercado" e a
muitos dos princípios contidos na lista de diretrizes razoáveis que,
desafortunadamente, recebeu a inconveniente denominação Consenso de
Washington.
A propósito, Gustavo Franco sabiamente sugere que, se tal conjunto de
medidas formulado nos anos 1990 fosse chamado de Consenso de Aracaju,
sua adoção em diferentes países da América Latina seria muito menos
problemática.
Um exame minimamente minucioso da experiência de crescimento de países
que antigamente compunham o politicamente incorreto Terceiro Mundo, e em
tempos mais recentes "mercados emergentes", mostra que muitos rótulos
postados são de tal forma superficiais ou generalistas que não carregam
nenhum valor explicativo.
Desenvolvimentistas teoricamente favorecem a presença de um Estado forte
na economia. Ora, dá para pensar num país em que o Estado seja mais
forte do que nos EUA?
O robusto orçamento das forças armadas norte-americanas cria uma
"montanha de demanda" por tecnologias inovadoras (o que nos anos 1980
John Kenneth Galbraith chamava de "keynesianismo militar").
Isso faz dos EUA "desenvolvimentistas"? Ou o rótulo não cabe, já que, nos EUA, praticamente inexistem empresas estatais?
Países "neoliberais" são grandes receptores de IEDs (investimento
estrangeiro direto). Permitem que mais famílias e empresas ocupem maior
fatia da riqueza mediante um peso comparativamente pequeno de impostos.
Apresentam um maior grau de internacionalização de sua economia.
Seria assim a China –maior destino de investimento produtivo do mundo,
onde a carga tributária representa tão somente 19% do PIB e cujas
estruturas produtivas se encontram amplamente conectadas ao mundo– um
país em grande medida "neoliberal"?
A julgar pela trajetória de maior ou menor sucesso de nações que no
início dos anos 1960 pertenciam ao campo "em desenvolvimento", há apenas
uma grande generalização que parece fazer sentido em termos de modelo
de economia política.
De um lado, uma estratégia de "nação comerciante" que prioriza mercados
globais, austeridade fiscal e baixo endividamento externo, parcerias
público privadas no estabelecimento de infraestrutura, custos de
produção dimensionados de modo a prover competitividade às exportações e
uma agressiva diplomacia comercial.
De outro, uma abordagem que privilegia mercado consumidor interno e
proteção paternalista de indústrias locais, além de combinar baixas
taxas domésticas de poupança e desenvolvimento.
Nesse contexto, Edgar Dosman, autor de uma extraordinária biografia do
pai do estruturalismo ("Raúl Prebisch (1901-1986): a Construção da
América Latina e do Terceiro Mundo", editora Contraponto, 2011) chega a
uma importante conclusão.
Se Prebisch –santo padroeiro dos desenvolvimentistas– estivesse vivo
hoje e buscasse identificar ao redor do mundo uma nação que mais
fielmente se coadunasse com a aplicação de suas ideias, ele a
encontraria na América Latina?
Não, tal país seria a Coreia do Sul.
O que vem por aí na gestão macroeconômica brasileira é
desenvolvimentista? Ora, a bússola parece ser a necessidade do Planalto
de não ser visto como "destruidor" de programas de alívio à pobreza,
como o Bolsa Família. E, ao mesmo tempo, fazer com que se dê um
"refresco" ao passivo de estados e municípios, o que supostamente
fortalece a base política da presidente num momento em que ela precisa
de todo apoio possível.
Os possíveis "planos de voo" em termos de política econômica para um
período pós-Levy não comportam muitas variações –a não ser realmente que
o governo tenha uma brutal recaída intervencionista e decida
implementar uma versão 2.0 da danosa "nova matriz econômica", que causou
tantos estragos ao país durante o primeiro mandato de Dilma.
A "nova matriz" é desenvolvimentista? Não, ela é apenas
irresponsavelmente errada. E o ajuste macroeconômico é neoliberal? Não,
ele é simplesmente uma imposição do mais básico bom senso. Mas nada
disso basta.
Em bases mais sustentadas, a economia brasileira só vai realmente se
recuperar quando abandonar superficialidades e mexer para valer em sua
economia política.
Ou seja, quando adotar um modelo (cujo rótulo pouco importa) menos
baseado em consumo e mais alimentado por poupança e investimento; menos
centrado no papel do governo e mais no da iniciativa privada; quando
direcionar mais recursos à inovação e facilitar a vida dos
empreendedores.
Para isso tudo, haverá de dizer adeus à visão autárquica de comércio e
política industrial e costurar acordos internacionais que lhe permitam
inserir-se de forma competitiva nas redes globais de produção.
Ante a grande dose de sacrifício, visão e estratégia que tal inflexão de
modelo implica, termos como "desenvolvimentista", "neoliberal",
"progressista" não querem dizer absolutamente nada.
EXTRAÍDADETRIBUNADAINTERNET
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