Jornalista Andrade Junior

domingo, 27 de dezembro de 2015

"Desenvolvimentismo não existe",

por Marcos Troyjo Folha de São Paulo

Diz-se que o mercado teme –e o PT aplaude– a chegada ao Ministério da Fazenda de um titular adepto do "desenvolvimentismo".
Em suposto contraste com seu antecessor, da Escola de Chicago, o novo ministro poderia, pela força de sua filiação ideológica, contornar ajustes recessivos e irrigar a economia com crédito.
Sua ótica "estruturalista" abrangeria atenuar o aperto fiscal e retomar o crescimento a partir de uma função empreendedora de bancos oficiais e companhias estatais.
Tais medidas se dariam em contraponto à soberania do "deus-mercado" e a muitos dos princípios contidos na lista de diretrizes razoáveis que, desafortunadamente, recebeu a inconveniente denominação Consenso de Washington.
A propósito, Gustavo Franco sabiamente sugere que, se tal conjunto de medidas formulado nos anos 1990 fosse chamado de Consenso de Aracaju, sua adoção em diferentes países da América Latina seria muito menos problemática.
Um exame minimamente minucioso da experiência de crescimento de países que antigamente compunham o politicamente incorreto Terceiro Mundo, e em tempos mais recentes "mercados emergentes", mostra que muitos rótulos postados são de tal forma superficiais ou generalistas que não carregam nenhum valor explicativo.
Desenvolvimentistas teoricamente favorecem a presença de um Estado forte na economia. Ora, dá para pensar num país em que o Estado seja mais forte do que nos EUA?
O robusto orçamento das forças armadas norte-americanas cria uma "montanha de demanda" por tecnologias inovadoras (o que nos anos 1980 John Kenneth Galbraith chamava de "keynesianismo militar").
Isso faz dos EUA "desenvolvimentistas"? Ou o rótulo não cabe, já que, nos EUA, praticamente inexistem empresas estatais?
Países "neoliberais" são grandes receptores de IEDs (investimento estrangeiro direto). Permitem que mais famílias e empresas ocupem maior fatia da riqueza mediante um peso comparativamente pequeno de impostos. Apresentam um maior grau de internacionalização de sua economia.
Seria assim a China –maior destino de investimento produtivo do mundo, onde a carga tributária representa tão somente 19% do PIB e cujas estruturas produtivas se encontram amplamente conectadas ao mundo– um país em grande medida "neoliberal"?
A julgar pela trajetória de maior ou menor sucesso de nações que no início dos anos 1960 pertenciam ao campo "em desenvolvimento", há apenas uma grande generalização que parece fazer sentido em termos de modelo de economia política.
De um lado, uma estratégia de "nação comerciante" que prioriza mercados globais, austeridade fiscal e baixo endividamento externo, parcerias público privadas no estabelecimento de infraestrutura, custos de produção dimensionados de modo a prover competitividade às exportações e uma agressiva diplomacia comercial.
De outro, uma abordagem que privilegia mercado consumidor interno e proteção paternalista de indústrias locais, além de combinar baixas taxas domésticas de poupança e desenvolvimento.
Nesse contexto, Edgar Dosman, autor de uma extraordinária biografia do pai do estruturalismo ("Raúl Prebisch (1901-1986): a Construção da América Latina e do Terceiro Mundo", editora Contraponto, 2011) chega a uma importante conclusão.
Se Prebisch –santo padroeiro dos desenvolvimentistas– estivesse vivo hoje e buscasse identificar ao redor do mundo uma nação que mais fielmente se coadunasse com a aplicação de suas ideias, ele a encontraria na América Latina?
Não, tal país seria a Coreia do Sul.
O que vem por aí na gestão macroeconômica brasileira é desenvolvimentista? Ora, a bússola parece ser a necessidade do Planalto de não ser visto como "destruidor" de programas de alívio à pobreza, como o Bolsa Família. E, ao mesmo tempo, fazer com que se dê um "refresco" ao passivo de estados e municípios, o que supostamente fortalece a base política da presidente num momento em que ela precisa de todo apoio possível.
Os possíveis "planos de voo" em termos de política econômica para um período pós-Levy não comportam muitas variações –a não ser realmente que o governo tenha uma brutal recaída intervencionista e decida implementar uma versão 2.0 da danosa "nova matriz econômica", que causou tantos estragos ao país durante o primeiro mandato de Dilma.
A "nova matriz" é desenvolvimentista? Não, ela é apenas irresponsavelmente errada. E o ajuste macroeconômico é neoliberal? Não, ele é simplesmente uma imposição do mais básico bom senso. Mas nada disso basta.
Em bases mais sustentadas, a economia brasileira só vai realmente se recuperar quando abandonar superficialidades e mexer para valer em sua economia política.
Ou seja, quando adotar um modelo (cujo rótulo pouco importa) menos baseado em consumo e mais alimentado por poupança e investimento; menos centrado no papel do governo e mais no da iniciativa privada; quando direcionar mais recursos à inovação e facilitar a vida dos empreendedores.
Para isso tudo, haverá de dizer adeus à visão autárquica de comércio e política industrial e costurar acordos internacionais que lhe permitam inserir-se de forma competitiva nas redes globais de produção.
Ante a grande dose de sacrifício, visão e estratégia que tal inflexão de modelo implica, termos como "desenvolvimentista", "neoliberal", "progressista" não querem dizer absolutamente nada.
EXTRAÍDADETRIBUNADAINTERNET

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