por Demétrio Magnoli
A Receita Federal investiga o Instituto Lula, informou a Folha na
terça (22). "A investigação nasceu a partir de dados da inteligência da
Receita, que colabora com a Operação Lava Jato", explica a reportagem.
De fato, sem uma operação do Ministério Público, o Leão jamais
investigaria uma "pessoa especial". O Leão foi domesticado: na nossa
república de compadres, ele só ruge para baixo.
A minuta de uma Lei Orgânica do Fisco, que concede autonomia técnica aos
auditores fiscais, dorme desde 2010 numa gaveta empoeirada da
Advocacia-Geral da União. O temido Leão é um bichinho de estimação do
ministro da Fazenda, que nomeia o secretário da Receita e controla as
indicações dos superintendentes regionais e dos chefes de unidade. A
centralização de poder nos cargos de comando funciona como couraça
protetora dos indivíduos de "sangue azul".
"Tudo começou com FHC". No caso da Receita, o álibi clássico do PT
contém um grão de verdade. Pela Portaria SRF 782, de 1997, o governo
colocou uma coleira no Leão, inventando a figura do "acesso imotivado". O
nome é deliberadamente enganoso: o acesso torna-se "imotivado" apenas
por não contar com autorização prévia de um chefe de unidade. O auditor
que ousar seguir pistas laterais surgidas numa investigação autorizada
sujeita-se a punições administrativas.
A alegação de que a figura do "acesso imotivado" protege o contribuinte
de perseguições é falsa e cínica. Falsa, pois todo acesso de dados
fiscais por auditor da Receita deixa um rastro eletrônico que identifica
seu autor, permitindo responsabilizá-lo. Cínica, pois tem como
pressuposto que os chefes, detentores de cargos de confiança, são
guardiões incorruptíveis dos princípios republicanos. Na prática, a
espada de Dâmocles do "acesso imotivado" assegura à cúpula da Receita a
prerrogativa discricionária de determinar quem será e quem não será
investigado. O rugido do Leão depende da voz de comando do domador, que é
o governo.
Na Receita, tudo que FHC começou, o lulopetismo radicalizou. A Portaria
RFB 2.344, de 2011, consolidou as punições associadas ao "acesso
imotivado". Além disso, no ano anterior, o governo criou uma lista de
"pessoas politicamente expostas", cujos dados fiscais só podem ser
acessados mediante aviso ao próprio secretário da Receita. A lista de
fidalgos abrange os detentores de cargos eletivos do Executivo e do
Legislativo, ministros e dirigente de empresas estatais, ocupantes de
altos cargos de livre nomeação, a cúpula do Judiciário, governadores,
prefeitos e presidentes de partidos políticos. "Essas pessoas têm uma
situação que, caso haja um acesso indevido, estarão protegidas",
anunciou na ocasião o ministro Guido Mantega, oficializando a divisão
dos brasileiros em cidadãos de primeira e segunda classe.
A "lista de Mantega" nasceu de um pretexto esperto. Na campanha
eleitoral de 2010, como parte da guerra suja petista, os dados fiscais
de José Serra e de seus familiares foram acessados indevidamente. O
detalhe é que o acesso não partiu de um auditor fiscal, mas de uma
servidora do Serpro, provavelmente cumprindo missão partidária. Assim,
escudado na alegação de proteger um rival político, o governo adicionou
uma focinheira ao Leão, impedindo-o de rugir para cima. Na época,
casualmente, a Petrobras sofria o assalto das forças da coalizão
PT-PMDB, em aliança com as grandes empreiteiras.
O Leão amestrado está submetido a rígido controle alimentar. Nos últimos
anos, a remuneração dos auditores fiscais desceu uma ladeira íngreme,
situando-se hoje atrás dos salários dos funcionários de 26 fiscos
estaduais. Al Capone foi pego por sonegação fiscal, o menor de seus
crimes. Nossos Capones, porém, têm pouco a temer pelo lado da Receita.
São amigos do rei e da rainha, pessoas especiais, "politicamente
expostas". No Natal, eles brindaram a isso.
extraídadetribunadainternet
0 comments:
Postar um comentário