Carlos Chagas
A cada ano diminui o número de soldados que em todo Sete de Setembro abrem os desfiles pelas ruas de nossas principais cidades. De milhares passaram a centenas, com garbo redobrado pelo peso dos anos e de suas medalhas. Em breve serão nenhum, ainda que todos os que partiram mereçam o eterno reconhecimento de quantos seguiremos mais tarde.
Lamenta-se, porém, que nossos soldados tenham sido esquecidos mal pisando outra vez o território nacional. Fizeram-lhes mil promessas, quase todas descumpridas. Enquanto ainda se vê cada vez menos heróis desfilando, os poucos remanescentes instalados em viaturas militares, uma dor profunda corta o peito de quantos os reverenciam. A Pátria não os reconhece nem homenageia, fora bissextas exceções.
Tome-se aquele que pode ser considerado o patrono esquecido de todos os combatentes, o sargento Max Wolf Filho. Gaúcho engajado no regimento de São João Del Rey, chefiou 32 patrulhas, a mais perigosa das ações militares, quando um punhado de soldados desgarra-se do seu corpo de tropa e avança pelo território inimigo, pretendendo informar-se de suas posições, intenções e efetivo. Nem a metade de cada patrulha retornou, não se contando o grande número de feridos e inutilizados para sempre.
Bastaria uma flor que fosse, depositada sobre a lápide do sargento Wolf, morto na derradeira operação antes da rendição dos adversários, mas nem isso aconteceu, setenta anos depois.
A multidão lotava a Avenida Rio Branco, naquele outubro de 1945, quando desembarcou o primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira. Lembro-me, aos sete anos de idade, posto nos ombros de meu pai, de dois episódios alojados no fundo da memória. A tropa desfilava a centímetros da calçada, quando primeiro um popular, depois centenas, gritaram “Perácio!”, dirigindo-se a um soldado específico que descobriram enquanto marchava. Era o grande craque do Flamengo, que dois anos antes trocara a bola pelo fuzil. Não abanou as mãos nem saiu da formação, mas seu semblante mostrava ter valido à pena o sacrifício. Do outro lado da avenida, de repente, uma moça rompeu o cordão de isolamento que já não isolava mais ninguém, deu alguns passos até o meio uma das sólidas fileiras de soldados e agarrou-se a um pracinha. Sem parar de marchar, ele a abraçou com firmeza. Era sua noiva.
Milhares terão sido essas demonstrações de carinho por todas as ruas por onde a tropa desfilava. O frio, a neve, o sangue e as granadas tinham ficado para trás. Só que com o passar dos anos, para trás também ficou a memória nacional.
extraídadetribunadainternet
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