Marco Antonio Villa: Publicado no Globo
Lembra o Conselheiro Aires, célebre personagem
de Machado de Assis, que o inesperado tem sempre voto decisivo nos
acontecimentos. O ano parecia caminhar para o encerramento. E em tons
inglórios. O enfrentamento da crise política estava sendo empurrado para
2016. Tudo indicava que o impasse — produto em grande parte da
inoperância das forças políticas de oposição ao projeto criminoso de
poder — iria se prolongar, até porque o calendário político do Congresso
não é o mesmo que vigora para os brasileiros comuns. Na Praça dos Três
Poderes, 2015 termina por volta do dia 11 de dezembro, e o ano vindouro
só começa depois do carnaval — e para alguns somente em março.
Mas os
acontecimentos de 25 de novembro vieram para atrapalhar — ainda bem! No
dia anterior foi preso José Carlos Bumlai, considerado um dos melhores
amigos de Lula. Bumlai conseguiu empréstimos privilegiados do BNDES.
Acabou falindo. Contudo, a família está em excelentes condições
financeiras. Um dos seus filhos, segundo noticiou o Globo, é um
rapaz de sorte. Tinha um patrimônio avaliado em R$ 3,8 milhões em 2004.
Seis anos depois, saltou para R$ 95,3 milhões, um crescimento de 25
vezes, algo digno de um livro de como prosperar rapidamente na vida. Mas
o mais fantástico é que em 2012 o filho prodígio mais que duplicou o
patrimônio: R$ 273,8 milhões.
O amigão de Lula vendeu uma de suas fazendas —
a Cristo Redentor — para o banqueiro André Esteves por R$ 195 milhões,
valor considerado muito acima do preço de mercado. O mesmo banqueiro,
também no dia 25, foi preso, envolvido em transações pouco republicanas.
É um dos representantes de uma nova classe criada pelo petismo: a
burguesia do capital público.
Nesta teia de relações foi incluído o senador
Delcídio do Amaral, líder do governo no Senado. O senador, além de
vínculos com Estevão e Bumlai, nos últimos anos esteve muito próximo de
Lula. E todos eles estão relacionados com o petrolão, alguns já presos;
outros, ainda não. A camarilha tinha na Petrobras o instrumento
principal de saque. De acordo com perícia da Polícia Federal, o desvio
do petrolão foi de R$ 42 bilhões, algo desconhecido na história do
mundo.
Mesmo assim, os cínicos que nos governam
continuam agindo como se nada tivesse acontecido — isso para não falar
das obras da Copa, da Ferrovia Norte-Sul, da Usina de Belo Monte e de
Angra-3. E a conjunção da corrupção com a irresponsável gestão econômica
acabou jogando o país na crise mais grave da história republicana.
Teremos dois anos consecutivos de recessão — sem esquecer que em 2014 o
crescimento foi zero. E caminhamos para a depressão.
O significado mais perverso do projeto
criminoso de poder e da crise econômica é a destruição dos projetos de
vida de milhões de brasileiros. São projetos acalentados anos e anos e
que a discussão da macropolítica acaba deixando de lado: os sonhos da
casa própria, de obter um diploma universitário, de se casar, entre
tantos outros, que, subitamente são inviabilizados. E os maiores
atingidos são os mais pobres, que não têm condições de sequer vocalizar
suas queixas, seus protestos.
A velocidade da crise não pode mais ser
controlada. Quando o governo aparenta viabilizar um acordão negociado
com o que há de pior na política brasileira, vem a Operação Lava Jato
para atrapalhar o negócio — pois não passa de um negócio. A ação do juiz
Sérgio Moro é histórica. Age dentro dos estritos termos da lei e já
obteve grandes vitórias. Até o momento, foram 75 condenações, 35 acordos
de delações premiadas, 116 mandados de prisão e R$ 1,8 bilhão
recuperados. E a 21ª fase da Lava Jato acabou impedindo o acordão. Não é
que a Justiça age na política. Não. É a política — entenda-se, os
partidos e parlamentares de oposição — que não consegue estar à altura
do grave momento histórico que vivemos. A oposição não faz a sua parte.
Evita o confronto como se a omissão na luta fosse uma qualidade. Se
estivesse no Parlamento inglês, em maio de 1940, defenderia negociar a
paz com Adolf Hitler. O governo Dilma caminha para o fim sem que a
oposição seja o elemento determinante.
Há uma fratura entre o povo brasileiro e a
Praça dos Três Poderes. O poder é surdo aos clamores populares. Não é
hora de recesso parlamentar. Recesso para quê? Em meio a esta crise? É
justamente nesta hora em que o país precisa dos seus representantes no
Congresso Nacional. Também não cabe a quem é responsável no STF pela
Operação Lava Jato — ou ao conjunto da Segunda Turma — gozar as
intermináveis férias forenses. Há momentos na história de um país que
férias ou recesso não passam de subterfúgios para esconder o
desinteresse pelos destinos nacionais.
Só sairemos da crise econômica quando
resolvermos as crises ética e política. É uma tarefa de sobrevivência
nacional. Não é apenas um caso de corrupção de enormes proporções. É
mais, muito mais. O conjunto da estrutura de Estado está carcomido pelo
projeto criminoso de poder. A punição exemplar dos envolvidos no
petrolão abre caminho para enfrentar a corrupção em todos os setores do
Estado — pensando Estado no sentido mais amplo, incluindo o conjunto dos
Três Poderes.
É indispensável retomar a legitimidade. E só
há legitimidade com o combate implacável à corrupção. A impunidade está
solapando as bases do Estado Democrático de Direito. A democracia não é
instrumento para roubar o Erário e os nossos sonhos. Pelo contrário, é
através dela que podemos exercer o controle efetivo da coisa pública. É
somente através da democracia que construiremos o Brasil que sonhamos.
EXTRAÍDADECOLUNADEAUGUSTONUNESOPINIÃOVEJA
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