Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

“Eles pegaro os peixe”

DEONÍSIO DA SILVA

O cargo de confiança em que se pode ter mais confiança é aquele obtido por concurso público. Salvo exceções. Como, por exemplo, quando o próprio concurso é fraudado, seja pelas comissões julgadoras, adrede designadas para escolher mais um membro ou simpatizante daqueles que estão no poder, seja para apenas não selecionar ninguém, quando o candidato previamente escolhido não comparece ou quando ficaria muito evidente a manipulação. Neste último caso, esbanja-se mais uma vez a verba pública e não se escolhe ninguém.
Quando o PT chegou ao governo federal, seus líderes viram um número já exagerado de cargos ditos de confiança, ocupados sem concurso público. E o que fizeram? Reduziram estes cargos? Não! Decuplicaram estes meios de ocupação dos aparelhos de Estado em todos os setores e passaram a usá-los como moeda de troca na cooptação de partidos políticos para a base aliada, mais clara quando entendida como base alugada, na reveladora denominação que lhe deu o jornalista Augusto Nunes.
Conheço muitas pessoas inconformadas com esta aberração na escolha de quadros para integrar instâncias de poder. Algumas delas, inclusive, integrante das altas esferas do Partido e outras que são simpatizantes do “Projeto PT” e não aprovam o método de escolha. Não é por ética, é verdade, é pelo prejuízo que os escolhidos podem causar, às vezes ainda maiores do que aqueles vindos das hostes adversárias. Um ignorante pode ser muito perigoso numa trincheira!
Pois esta aberração chegou ao ensino de Português & suas literaturas. Há alguns anos, ainda havia certo pudor diante dos erros de Português. E quem não lia os clássicos ou as obras de referência nas literaturas de língua portuguesa, calado estava, calado ficava.
De uns tempos para cá, entretanto, eles deram em falar besteiras e abobrinhas, e, pior do que isso, a ensiná-las como corretas! Aliás, em centros universitários outrora ditos de excelência já se ensina que não existem o certo e o errado em Português. Ensina-se que tanto faz um como o outro. Assim, uma frase luminosa, digamos, do Sermão do Bom Ladrão, do Padre Antonio Vieira, vale tanto quanto uma das conhecidas diatribes da arrevesada e obscura sintaxe da presidente. Com receio de cumplicidade, já não a aplaudem sequer os que a cercam nos eventos onde as pronuncia ao vivo, depois documentada em áudio, em vídeo e por escrito, gerando o que Celso Arnaldo identificou corretamente como o “dilmês” em livro que acaba de lançar, com os piores momentos do desempenho presidencial, urbi et orbi.
O Sermão do Bom Ladrão foi leitura obrigatória para a formação básica de muitos de nossa geração. O Sermão tem no parágrafo de abertura esta maravilha: “Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis”. E fecha assim: “não elegendo, nem dissimulando, nem consentindo, nem aumentando ladrões, de tal maneira impidam (nota: na época, era variante de “impeçam”) os furtos futuros, e façam restituir os passados, que em lugar de os ladrões os levarem consigo, como levam, ao inferno, levem eles consigo os ladrões ao Paraíso”.
Pois é. Agora, deram em roubar também o Português, um patrimônio de mais de um milênio, do qual somos felizes herdeiros. A língua portuguesa já está entre as cinco hegemônicas no mundo e é a terceira mais usada na internet, mas no Brasil vem sendo roubada por quem deveria defendê-la e ensiná-la.
A coisa chegou a tal descalabro que até membros da Academia Brasileira de Letras, geralmente comedidos, estão desconcertados. Em recente palestra na Universidade Estácio de Sá, em evento realizado para reorganizar a frente de defesa e de ensino da norma culta do Português, ninguém menos do que Evanildo Bechara, referência indispensável no ensino e na autoria de gramáticas, autoridade necessária ao Acordo Ortográfico, antecipou dias sombrios no ensino se algumas providências não forem tomadas rapidamente.
Na semana passada, a ABL voltou a manifestar-se, desta vez pelo colegiado de seus membros, ao emitir nota oficial em que manifesta “preocupação com a constante e gradual redução do ensino de literatura na educação brasileira, particularmente no ensino médio”.
Um dos imortais diagnosticou com precisão a desgraça que vitima escolas e universidades. Uma corrente de sociolinguistas acha que a literatura é uma coisa de elite: “para o sistema educacional, ‘nóis pega o peixe’ tem de ser mais aceita do que construções literárias, pois são a lingua do povo”.
Quer dizer, eles se dizem modernos, mas fazem o contrário do que a Revolução Francesa fez: democratizou os bens culturais da aristocracia, tornando-os, pelo menos, bens da burguesia e, quando possível, bens do povo, criando, mantendo e atualizando bibliotecas, museus etc.
Em suma, o atraso retomado é considerável. A Revolução Francesa é de 1789! Querem abolir até a vergonha que se tinha de ser ignorante! A ignorância vinha sendo não apenas temida, mas combatida. Entre estes combates, uma estratégia ganhava dimensão preferencial: a da alfabetização para todos. E uma vez alfabetizado, mesmo que em poucas doses, o aluno ia ler antologias que traziam Camões, Vieira, Machado, Cruz e Sousa, Drummond, isto é, traziam referências literárias da língua na qual o brasileiro escreve e fala há tantos séculos.
Não são somente os ladrões que devem ser vigiados. Os néscios também! Afinal, nestes tempos só é bobo quem quer. Está ficando cada vez mais claro para todos onde está a raiz de nossos problemas e por que eles crescem sem parar em todos os campos.







EXTRAÍDADECOLUNADEAUGUSTONUNESOPINIÃOVEJA

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