editorial do Estadão
Para tentar impedir que o escândalo do mensalão e as denúncias de
corrupção contra o governo respinguem sobre sua campanha pela reeleição,
a presidente Dilma Rousseff vem alegando que concedeu à Polícia Federal
(PF) total liberdade para investigar as denúncias de corrupção na
Petrobrás, inclusive orientando-a a instaurar inquéritos criminais e a
adotar medidas para acabar com o uso de caixa 2 pelos partidos políticos
e esquemas de lavagem de dinheiro para financiar campanhas eleitorais.
O argumento foi usado por ela em um dos últimos debates entre os
presidenciáveis. "Eu dei autonomia à PF para prender o senhor Paulo
Roberto e os doleiros todos", afirmou na ocasião. O mesmo argumento
também foi repetido nos programas do PT durante o horário eleitoral, que
deram a entender ter sido Dilma a primeira inquilina do Palácio do
Planalto a ter colocado a PF a serviço do combate à corrupção e dos
ilícitos cometidos em empresas estatais.
A propaganda do PT é enganosa e a fala de Dilma carece de consistência
técnico-jurídica, deixando claro o quanto ela desconhece a Constituição
que há quatro anos jurou cumprir. Em palestra para cerca de 200
estudantes e professores de direito de uma universidade de Brasília,
quando discorreu por mais de uma hora sobre reforma política,
financiamento de campanha eleitoral, compra de votos, corrupção e
fortalecimento do regime democrático, o ex-presidente do Supremo
Tribunal Federal Joaquim Barbosa enfatizou esse ponto.
"Não é a presidente da República que manda prender. Ela tem, no máximo,
poderes para não interferir na atuação do órgão", disse Joaquim Barbosa,
confessando-se "surpreso" com o desconhecimento generalizado de direito
constitucional por parte dos políticos - inclusive Dilma.
Essa foi uma crítica sutil às afirmações não só da presidente da
República, mas também a recentes declarações do vice-presidente, Michel
Temer, e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Eles haviam
protestado contra a vistoria, por agentes da PF, de um avião da
campanha do senador Edison Lobão Filho, candidato ao governo do Maranhão
e filho do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, acusando a
corporação de ter sido "instrumentalizada para atingir candidaturas
legitimamente constituídas".
Na ocasião, Dilma - que hoje elogia as ações da PF - criticou a
corporação. "Qualquer órgão integrado por pessoas pode cometer um erro.
Mas autonomia não significa autonomia para cometer coisas incorretas.
Uma das coisas que a gente tem que garantir, principalmente em processos
eleitorais, é que órgãos governamentais não sejam usados em proveito de
um ou outro candidato", afirmou Dilma, com sua maneira tortuosa de se
expressar, e de certo modo endossando a tese de que a ação de busca e
apreensão executada pela PF teria tido o objetivo de "constranger" e
"intimidar" políticos peemedebistas maranhenses.
Na realidade, como afirma o ex-ministro Joaquim Barbosa, a Polícia
Federal é um órgão de Estado e não precisa de qualquer autorização
presidencial para exercer suas atribuições funcionais. Pela
Constituição, ela tem competência para promover investigações
independentes, mesmo quando os investigados sejam políticos da base do
governo ou mesmo integrantes da administração direta e indireta. Em
outras palavras, a autonomia da Polícia Federal não é administrativa nem
financeira. É uma autonomia funcional. E se seus delegados e agentes
deixarem de agir, em casos de denúncias de algum ilícito, incorrem em
crime de responsabilidade.
Por isso, quando a presidente da República alegou no debate entre os
presidenciáveis que estimulou a PF a investigar as denúncias de
corrupção na Petrobrás, "o que não acontecia nos governos anteriores",
ela contrariou a verdade.
Seu comitê eleitoral ainda tentou refutar as críticas de Barbosa,
distribuindo uma nota em que alega que as palavras de Dilma acerca dos
"atos de atuação legal da PF" estariam sofrendo "interpretações
maliciosas e inverídicas". Maliciosa é, mais uma vez, a insistência da
assessoria de Dilma em desmentir as bobagens que ela fala.
FONTE ROTA 2014
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