por Elio Gaspari
Senhora,
Não tenho mais interesse na política brasileira. Só leio sobre a China.
Perdi a curiosidade pelo seu governo quando a senhora, estando em Nova
York, foi ao Metropolitan Museum perder tempo numa exposiçãozinha do
pintor holandês Frans Hals. Podendo ficar só com o "Juízo Final" de Van
Eyck, ou o "Juan de Pareja" de Velázquez, ocupou-se com um retratista de
bêbados de bochechas vermelhas. O Hals é um daqueles pintores que a
gente vê uma tela e viu todas. Como diz o Nelson Rodrigues, bonitinhos
mas ordinários.
Escrevo-lhe para lembrar que as roubalheiras da Petrobras tomarão conta
da agenda nacional. A senhora terá alguns meses ou quatro anos para
cuidar dessa ferida. Durante o tucanato, quando eu disse que todos os
diretores da Petrobras tinham conta na Suíça, tomei um processo que
azucrinou meus últimos dias de vida por aí. Dizer que eram todos foi um
exagero. O tucanato nunca quis saber como diretores da Petrobras
compravam casas nos melhores condomínios do Rio.
Sabemo-lo. Numa contratação milionária, o cunhado de um magano visitou o
empreiteiro 24 horas depois do fechamento do negócio. À época, coisa de
US$ 1 milhão.
Conta na Suíça, como a senhora vê, o "amigo Paulinho" tem, com um saldo
de US$ 23 milhões. Aprendi alguma coisa aqui onde estou. Não posso dar
nomes nem cifras, mas façamos a conta. De onde saiu esse dinheiro? A
primeira trilha, óbvia, é a das grandes empreiteiras, mas elas estão em
todas. Ofereço-lhe dois caminhos para exercitar sua curiosidade.
Primeiro, negócios com ativos como campos de petróleo em Angola.
Nesse mercado, uma comissão decente pode ficar em 5%, chegando a 10%.
Não preciso dizer-lhe, dona Isabel dos Santos, filha do presidente
angolano, é a mulher mais rica d'África. Sempre que a senhora ouvir a
palavra "Angola", pense em chamar a polícia. No segundo caminho ficam as
compras de equipamentos. Tomemos o exemplo dos navios de produção de
petróleo, os FPSO. Existem centenas.
A Petrobras tem 40 e está construindo mais seis. Cada um vale US$ 1,3
bilhão. Numa tabela inspirada em madre Teresa de Calcutá, cada um pode
render 1% de comissão. Se deixar, vai a 3%. Com dois navios, a 1%,
qualquer "Paulinho" amealharia US$ 26 milhões. Não se faz um negócio
desses apenas com um amigo. Digamos que alguém borrifou 0,5% do contrato
para baixo e outros 0,5% para cima. Será?
A senhora ou quem chegar ao segundo turno precisa prestar atenção ao que
o presidente Xi Jinping faz na China. Ele sabe que não vai acabar com a
roubalheira, mas sinalizou de forma drástica que sua mão pesada pode
cair seletivamente em cima dos larápios. Primeiro ferrou o Bo Xilai, uma
mistura de Paulo Maluf e Lula que se alinhava para mandar no país.
Botou-o na cadeia. O Xi sabia que Bo era protegido pelo czar da
segurança pública. (Lembre-se que esse mandarim vinha do setor
petrolífero.)
Ferrou-o. A senhora dirá que os órgãos competentes do seu Estado
ferraram o "amigo Paulinho" e que aqui há uma democracia. A diferença
persiste. Sua faxina não limpou sequer o quarto da empregada. A senhora
condena os tais malfeitos, mas cala sobre os malfeitores. Está aí a ata
da reunião do Conselho da Petrobras mostrando que seu ministro da
Fazenda louvou os "relevantes serviços prestados à companhia" por
Paulinho.
Daqui de onde estou, a gente vê com serenidade as coisas aí debaixo.
Outro dia a Lota Macedo Soares, a maluca beleza que criou o Aterro do
Flamengo, lembrou-me que avisou ao Eike Batista para o risco que corria
exibindo-se como o homem mais rico do Brasil. Lota advertiu-o para a
urucubaca: os homens mais ricos da China e da Rússia acabaram na cadeia.
Ele não lhe deu atenção, quebrou, e agora seus advogados temem que o
Ministério Público queira colocá-lo na cadeia. Eu acho que algum
procurador fará fama encarcerando-o numa sexta-feira, sabendo que um
habeas corpus poderá soltá-lo na segunda. Onde estavam os negócios de
Eike? Na Petrobras.
Atenciosamente,
Paulo Francis
fonte rota2014





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