por Suely Caldas
Samba do crioulo doido foi uma paródia criada em 1968 pelo talentoso
jornalista Sérgio Porto (pseudônimo Stanislaw Ponte Preta) que descreve
personagens da nossa história em situações fora do lugar, sem nexo. Com
hilariante humor político, a música imaginava a escrava Chica da Silva
obrigando a princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes, que, eleito
Pedro Segundo, se aliou ao vigário dos índios Padre Anchieta e os dois
proclamaram a escravidão. O samba fez tanto sucesso na época que, na
anedota popular, seu título passou a designar situações mirabolantes,
sem sentido, desconexas, confusas, bagunça geral, quando ninguém se
entende.
Se vivo fosse, Stanislaw Ponte Preta estaria hoje inventando paródia
parecida para descrever a situação econômica do Brasil depois de quatro
anos da gestão Dilma Rousseff. É um verdadeiro samba do crioulo doido o
que o vitorioso desta eleição vai enfrentar para recolocar as coisas no
lugar. E, se as urnas confirmarem as pesquisas eleitorais, caberá à
própria Dilma desfazer a desordem de seu primeiro mandato e construir e
aplicar um plano de governo racional e coerente, se quiser produzir
resultados satisfatórios nos quatro anos do segundo.
Faz tempo que a economia entrou em parafuso. Se a presidente não mudar o
rumo e insistir na improvisação, na estúpida política de apagar
incêndio, não vai construir nada e ainda arrisca destruir os ganhos
sociais conquistados no primeiro mandato.
Dilma avisou que mudará o ministro da Fazenda, mas não revelou quem vai
substituí-lo. Não vai ser fácil. Se ela buscar um candidato dócil e
domesticado, como foi Guido Mantega, que não questione seus erros, ou
procurá-lo nos quadros do PT, é melhor esquecer: a economia vai
continuar estagnada, inflação e dólar em alta, investimentos em queda,
falta de confiança de empresários e de consumidores agravada e o País
pode mergulhar na recessão, aumentar o desemprego e reduzir dinheiro
para saúde, educação, segurança e programas sociais.
E, se ela buscar outro perfil de candidato, bom formulador de políticas,
nome sério, reconhecido e respeitado em ambientes econômicos,
tecnicamente capacitado e com enorme desejo de acertar, com toda certeza
ela terá de abrir mão do concentrado poder de interferir em tudo e dar a
palavra final em tudo, como fez no primeiro mandato. Há profissionais
com esse perfil, sim, e dispostos a enfrentar o desafio, mas com certeza
não se sujeitarão a abençoar escolhas erradas da presidente. Só
aceitarão o cargo se tiverem carta branca para fazer o que for preciso
para recolocar a economia nos trilhos.
Mas não basta trazer para a Fazenda o melhor e mais competente ministro.
Dilma precisa convencer-se de que fez tudo errado no primeiro mandato
(derrubou o PIB; represou tarifas públicas e, mesmo assim, a inflação
não baixou; desmoralizou as contas públicas; desarrumou as empresas
elétricas; enfraqueceu a Petrobrás; distribuiu favores fiscais para
indústrias que continuam desempregando; o BNDES fez empréstimos
bilionários para empresas falidas que ficaram devendo ao banco; até hoje
não acertou nas privatizações; no setor externo o Brasil tem o terceiro
maior déficit de transações correntes do mundo; e até a balança
comercial, que há décadas produz gordos superávits, este ano será
deficitária).
Reordenar a bagunça vai exigir de Dilma humildade para reconhecer erros,
coragem e determinação para corrigi-los e confiança no futuro, além de
construir um programa de governo competente, consistente e seguro, capaz
de atrair investidores e recuperar a confiança de consumidores e
empresários em seu governo. E será preciso persistir nesse programa -
não mudá-lo a todo instante, como fez nestes quatro anos - e controlar e
acompanhar seus resultados. Não se trata de uma questão ideológica, mas
de uma questão da lógica do capitalismo. É assim que funciona. Ou ela
prefere seguir os fracassos da Venezuela e da Argentina?
No texto da música, com toda a sua maluquice, o crioulo doido conseguiu
produzir algo: "A Leopoldina virou trem, Dom Pedro é uma estação
também". E Dilma?
fonte rota2014





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