por Fernando Gabeira
Na verdade, o filme era sobre um júri onde se discutia o ensino da teoria da evolução nas escolas. Ficou conhecido como o júri do macaco.
Darwin esteve no Brasil. Parte de sua teoria foi elaborada a partir da experiência em Galápagos. Outro dia, percorri seu caminho no interior do Rio, dentro do território de Maricá. Observava as possíveis plantas que Darwin viu e, ao passar por um casarão da fazenda, vislumbrei a grande pedra da qual, segundo se diz, os escravos se jogavam. A passagem de Darwin pelo Brasil não se limitou à natureza. Ele se impressionou com a escravidão, à qual ele e sua família se opunham na época.
A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, lamentou que a igreja evangélica tenha perdido espaço para Darwin nas escolas brasileiras, nas quais o criacionismo não é ensinado. O ministro da Ciência, Marcos Pontes, já fez a defesa de Darwin. De qualquer forma, ainda existe no ministro da Educação uma desconfiança em torno da ciência, tema que também abordei no artigo anterior.
O GLOBO tentou comprar uma autobiografia de Damares. Não deu certo porque a edição de “Jesus sobe no pé de goiaba” foi suspensa. O interesse do GLOBO em Damares é o de repórter. O meu é de escritor. Ela é a grande personagem deste princípio de governo.
Imaginei até uma série de ficção, que começaria com uma ministra de cabelos longos com as mãos na mesa de uma de suas três secretárias, alguns carros usados no pátio, dizendo: “De agora em diante, neste país, menino se veste de azul, menina se veste de rosa”.
Eu a sigo com um olhar fascinado desde a história de ter visto Jesus na goiabeira. Estava pronto para defendê-la dos lobos do ceticismo, mas ela mesma recuou. Disse que era uma fantasia de criança.
O recuo a torna uma personagem mais complexa ainda. Se viu Jesus na goiabeira e está relativizando, sua visão é sinal de que não quer enfrentar os céticos.
Mas se foi apenas uma fantasia infantil, por que apresentá-la como se tivesse acontecido de verdade? Aí entraríamos num outro território, o do também fascinante personagem de Sinclair Lewis, chamado Elmer Gantry. No cinema, foi vivido por Burt Lancaster. Era um genial manipulador.
Limito-me a observar os primeiros passos do governo, mas, sinceramente, não é o caso ainda de fazer oposição. A fase ainda é a de Sancho Pança, limitando-me a dizer: “Olha mestre, olha o que está dizendo.”
O governo retirou o Brasil do Tratado de Migração da ONU. Disse que o fez em nome da soberania nacional. Mas o tratado não era vinculante. Apenas uma tentativa de organizar o maior caos que a humanidade vive, os deslocamentos em massa.
Bolsonaro falou como se o Brasil estivesse na mira de multidões de refugiados. Mas não está. Na verdade, temos mais brasileiros no exterior do que estrangeiros procurando o Brasil.
Não se pensou no destino dos brasileiros lá fora. Não podem ser vistos com má vontade, uma vez que seu país é tão fechado a acordos sobre o tema?
Bolsonaro falou também que os imigrantes aqui devem saber cantar o Hino Nacional. Minha avô, analfabeta, falava mal o português. Seria uma tortura para ela cantar o Hino Nacional, mas isso não significa que não gostasse do Brasil e não trabalhasse como uma moura.
Sinceramente, não sei se os EUA de hoje são o modelo para uma política migratória. A Alemanha tem uma posição diferente. O Canadá, que me parece mais adequado como referência, deveria ser também observado.
No Rio, um deputado do PSL, a propósito de um centro indígena realmente decadente, declarou que quem gosta de índio deve se mudar para a Bolívia. Se sua inspiração é militar, por que só o capitão Bolsonaro, descartando Marechal Rondon? Talvez nem saiba quem foi Rondon.
Assim como o PT, os vencedores de agora parecem achar que o Brasil começou com eles. A tarefa é sempre se lembrar do país imenso que não cabe nas estreitas ideologias.
O Globo
extraídaderota2014blogspot
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