por Carlos Andreazza
O governo paralelo existe. Não é, porém, o do lulopetismo delirante
contra o fascismo bolsonarista. O governo paralelo existe, pode até ser
considerado uma modalidade de resistência, mas corre dentro da própria
administração federal e não é tocado por comunistas remanescentes.
Veja, leitor: faço aqui — não me entenda mal — um elogio ao que, a
partir da blindagem do cofre, parece-me um avanço. Bolsonaro tem mérito
nisto. É o provedor da liberdade para que os bandeirantes do Tesouro
finquem estandarte em chão autônomo, por ora protegidos dos canibais do
nacional-populismo. O Ministério da Economia, sob Paulo Guedes, é um
governo; o território de prosperidade adulta cuja funcionalidade, a se
confirmar, autorizará a garotada a brincar de ideologia no parquinho.
Pensemos na condição humana: quantos gastarão energia em combater a
provável década de patrimonialismo bolsonarista no poder se a economia
estiver gerando empregos? Não há motivo para ciumeira. Toda a
heterogênea fauna bolsonarista — inclusive a jacobinista, ávida por
sangue liberal — tem a ganhar com a glória do governo paralelo.
Do êxito do governo Guedes provirão as chances de o projeto de Eduardo
Bolsonaro vingar. Sem o que não haverá bunker no Ministério das Relações
Exteriores nem militância em rede social capazes de viabilizar o
mitinho. Do triunfo (rápido!) de Guedes derivarão as condições para que
até Flávio Bolsonaro tenha seus queiroz relativizados. Sem o que, mesmo
que seus irmãos o resgatem do mar em que o jogaram, será — se tiver
sorte — um ex-senador em atividade; um Aécio. Do sucesso do governo
Guedes — de seu plano de reformas — depende a musculatura do governo
Bolsonaro, cujo caráter desenvolvimentista carecerá de recursos próprios
para investir. Sem o que o povo — ainda que difusamente conservador —
logo se cansará das pautas moralistas.
O cidadão brasileiro acha bom que Moro cace corruptos, até gostaria de
ter uma arma e certamente se preocupa com o conteúdo do que é informado
aos filhos na escola; mas isto tudo será parolagem se não tiver trabalho
logo. Fulminar o desemprego — eis o tiro certo. Pois, tendo meios de
pagar os boletos, as pessoas entubam qualquer proselitismo.
Até Onyx poderá enganar na Casa Civil se compreender que a chance de
queimar Guedes foi perdida e que ora lhe toca — para não perecer —
travestir-se de despachante do governo do colega.
Quem se recordar de como Guedes chegou a Brasília estará obrigado a
reconhecer que ele aprende rápido. Os primeiros dias foram um desastre,
consequência de falatório excessivo, o que resultaria na tentativa de
fritá-lo sob o argumento de que ignorava a dinâmica da política na
capital. Guedes submergiu; para então concluir a composição de uma
equipe tecnicamente ótima em que — talvez como reação — formam também
bons conhecedores dos trâmites legislativos. O governo Guedes tem, hoje,
articulação política própria e com habilidades para conceber táticas de
negociação com o Parlamento acerca de reformas impopulares como a da
Previdência.
A estratégia está montada: aproveitar a base do projeto apresentado pela
gestão anterior, que já avançou na Câmara, para ganhar tempo; preparar
uma proposta que chegue ao Congresso com a corda esticada, para que
concessões decorrentes do diálogo ainda assim mantenham um conjunto
forte; e em hipótese nenhuma tornar o texto público antes de submetido
ao Parlamento, isto de maneira a evitar que um longo período de
exposição a intempéries crie as condições para que um terceiro governo, o
do sistema judicial, de força reacionária sem igual, paralise o
programa reformista com algo como as duas denúncias golpistas que quase
derrubaram Temer, acuaram sua administração e asfixiaram a reforma
previdenciária então engatilhada — aquela que cortaria direitos de
procuradores e magistrados.
Pressa e prudência — o lema do governo Guedes deveria ser. Porque nem
dois governos são páreos para um que ao mesmo tempo devasse dados
sigilosos, opere vazamentos seletivos e detenha os poderes de acusar e
condenar. Quando era contra adversários, o bolsonarismo achava bom.
Quantos heróis justiceiros não colaborou para erguer? Agora, tendo
aplicados contra si os procedimentos que ajudou a consagrar, sangra.
Sangrará o governo Guedes? Ou melhor: terá tempo de reformar o Estado,
ainda que só um pouco, antes de ser perfurado?
Convém duvidar da durabilidade da blindagem. E é ingênuo supor que o
esgoto sem fundo em que a vida pública brasileira se meteu possa ser
saneado por Bolsonaro, sendo ele produto e aproveitador maior das
circunstâncias que jogaram a política na lama e submeteram o país que
produz à pregação sindicalista de janots e dallagnols.
Pressa, prudência e — acrescentaria — fé. Oremos.
O Globo
extraídaderota2014blogspot
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