por Fernando Gabeira
A ida de Bolsonaro a Davos é parte da aposta maior de seu governo:
reformas e retomada da economia. A reforma da Previdência, por exemplo,
não será tão consensual como Paulo Guedes afirmou. No entanto, tem
chance de ser realizada.
Concordo com a tese geral de que um passo correto na economia
fortalecerá seu governo. Discordo, entretanto, de quem acha que a
economia neutraliza todos os outros problemas.
Não tem sido assim. No passado discutia com simpatizantes do PT o mesmo
tema. Argumentavam que o importante era crescimento e renda e a
corrupção seria apenas uma nota de pé de página na História do período.
Teoricamente, acho que as dimensões econômica e política se
interpenetram e, em certos momentos, uma delas pode ser a determinante.
O período de democratização revelou para mim que existe uma grande
demanda de valores na vida pública. Na primeira eleição direta, Collor
era o caçador de marajás; Lula, o que traria a ética para a política. Na
verdade, era uma demanda já na eleição do período anterior, em que
Jânio venceu esgrimindo uma vassoura.
O governo Bolsonaro surge com uma demanda maior, potencializada pelas
redes sociais e diante de um País bastante severo e conhecedor das
táticas evasivas dos políticos. Por isso vejo com a apreensão o episódio
envolvendo o senador Flávio Bolsonaro. Os elementos que existem ainda
não nos permitem concluir sobre o conteúdo. Mas é possível ter uma
opinião sobre como as pessoas reagem quando estão sob suspeita – o
comportamento acaba revelando mais do que a própria denúncia.
Quando Flávio Bolsonaro pediu ao Supremo que suspendesse as
investigações, usando o foro privilegiado, alguns analistas concluíram
que tinha tomado um elevador para o inferno. No primeiro andar já
encontrou uma fogueira. Durante a campanha, Jair Bolsonaro, ao lado de
Flávio, condenou o foro privilegiado.
Novas revelações – é sempre assim – surgiram e as explicações foram ficando mais difíceis e complicadas.
Surge um novo elemento com a prisão do Escritório do Crime, uma
organização criminosa. Nova fogueira pelo caminho. Um dos milicianos
teve a mãe e a mulher empregadas no gabinete de Flávio, então deputado
estadual. Flávio disse que a responsabilidade da contratação era de
Fabrício Queiroz, o motorista que já o enredara nas transações
bancárias, levantadas pelo Coaf. Acontece que é muito difícil um
deputado não conhecer perfeitamente seus assessores.
Além do mais, Flávio tem uma visão de que as milícias são um mal menor,
porque expulsam os traficantes. E achava razoável que fossem financiadas
pela comunidade.
São posições muito delicadas porque se aproximam da apologia do crime,
na medida em que ignoram que as milícias vendem gás, controlam parte do
mercado imobiliário, do transporte alternativo e em certos lugares elas
próprias até assumem o tráfico de drogas.
Bolsonaro elegeu-se repetindo a frase “conhecereis a verdade e ela vos
libertará”. Ele se vê agora diante do desafio de João: divulgar a
verdade e esperar que ela o liberte.
É apenas uma suposição que o caso de Flávio não atinja o governo.
Qualquer observador pode constatar nas redes sociais o desgaste entre os
próprios apoiadores do governo. Foi uma campanha feita com explicações
diretas pela rede. Os seguidores estão perplexos, pois as explicações
agora são em entrevistas escolhidas.
Como o governo Bolsonaro tem bastante popularidade, as perdas talvez
sejam subestimadas. Mas em política sabemos que não é bom sangrar.
Na verdade, quem acompanha os debates na direita observa que já existem
conflitos abertos, alguns preocupantes. A viagem de um grupo de
parlamentares do PSL à China produziu um grande debate interno. Isso
tudo se passa na internet, mas a sensação é de que foi uma viagem sem briefing do Itamaraty, sem visão dos limites.
Segundo Olavo de Carvalho, os deputados foram conhecer um sistema de
monitoramento facial da Huawei, empresa chinesa acusada de espionagem e
que é um dos temas da guerra comercial EUA x China. De modo geral, somos
muito sensíveis a sistemas de monitoramentos. Lembro-me do Sivam,
fizemos muito barulho em torno dos equipamentos que iriam monitorar a
Amazônia. Talvez o barulho tenha sido excessivo, o problema maior é usar
todo o potencial do sistema. Isso apenas para dizer que não é uma
tarefa de deputados recém-eleitos discutir essa questão na China.
Envolve outras dimensões de governo.
O mais desolador é o nível do debate entre eles na redes sociais.
Revela, para mim, uma das grandes distorções do presidencialismo no
Brasil. Um presidente popular arrasta consigo dezenas de parlamentares.
Na verdade, muitos deles são bombas de efeito retardado.
É possível que com eles, ou apesar deles, as primeiras batalhas da
economia sejam vencidas. Mas de novo coloco a questão política e
cultural: a direita tem consistência para dirigir um país tão diverso?
Outra dimensão preocupante é a questão ambiental. É uma ilusão ver isso
com lentes ideológicas. Não é possível que considerem o tema uma trama
marxista. O próprio organizador do Fórum de Davos, Klaus Schwab,
questionou Bolsonaro sobre isso. Não parecia um marxista.
Antes de partir para Davos, o governo designou para o Serviço Florestal
um deputado que é autor de uma lei autorizando a caça de animais
silvestres. Pode argumentar que ela existe nos EUA. Eles têm um sistema
de controle maior e, além do mais, por que se inspirar nos EUA nesse
caso? Não há espaço para essa lei no Brasil. Nem para os setores que
querem avançar sobre a floresta para criar gado, liberando carbono e
toda a flatulência.
Economia à parte, os passos do governo nas dimensões político-culturais
me deixam em dúvida se estou vendo estreia ou versão de um antigo filme.
O Estado de São Paulo
exctraídaderota2014blogspot
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