por Francisco das Chagas Rodrigues.
A cena se desloca para um passeio coberto pela neblina onde conversam Alexander e o senhor Kobert.
- K. Como estão as cobranças?
- A. Tudo como planejado, Sr. Kobert. Ele está nos jornais.
- K. Muito bem.
- A. Eu organizei reuniões para ele discursar. Ele está ficando popular. Eu investi muito.
- K. Sem problema. Lembre-se: nós temos pouco tempo. Não se preocupe. Vou lhe enviar mais. O que está pensando em fazer?
O Sr. Kobert retira do casado um envelope e entrega a Alexander.
- A. Depois de falar no Congresso, ele ganhará poder de verdade.
- K. Mas não vão deixa-lo falar sem a permissão de Lenin.
- A. Eu já cuidei disso.
- K. Muito bem.
Podemos observar com esse diálogo, a fonte financeira que leva à imprensa a divulgar determinadas notícias e construírem narrativas de acordo com a vontade e interesse de quem a patrocina. Esse comportamento da mídia, sensível ao falseamento da verdade em troca de financiamento, é uma chaga que se encontra fortemente presente nas atividades políticas.
Colocarei abaixo um texto de Percival Puggina que coloca com clareza essa mesma situação que ocorre atualmente no Brasil.
A GRANDE IMPRENSA EM CRISE DE CONFIANÇA
Percival Puggina
Em 2015 compareci a um almoço dos colunistas de Zero Hora. Era um evento de confraternização com a direção da empresa. Mesmo sendo colunista da edição dominical havia nove anos, não tinha ideia de que fossem tantos os meus colegas naquele ofício de rechear com opiniões pessoais as edições do jornal. Eu fora contratado em substituição ao amigo Olavo de Carvalho imediatamente após seu rompimento com o veículo em 2006. Pois bem, ao término do almoço, iniciou-se uma brincadeira. Dois repórteres, de modo aparentemente aleatório, escolhiam colunistas para ouvi-los sobre assuntos variados. Fui um dos convocados e a pergunta me veio assim: "Puggina, Zero Hora é um jornal de esquerda ou de direita?". Todos riram, e eu também, pela oportunidade que a indagação me proporcionava. Respondi: "O jornal, diferentemente do Estadão e da Folha, por exemplo, não tem um alinhamento editorial nítido. No entanto, pelo somatório das opiniões dos colunistas, acaba sendo claramente de esquerda".
Em 2015 compareci a um almoço dos colunistas de Zero Hora. Era um evento de confraternização com a direção da empresa. Mesmo sendo colunista da edição dominical havia nove anos, não tinha ideia de que fossem tantos os meus colegas naquele ofício de rechear com opiniões pessoais as edições do jornal. Eu fora contratado em substituição ao amigo Olavo de Carvalho imediatamente após seu rompimento com o veículo em 2006. Pois bem, ao término do almoço, iniciou-se uma brincadeira. Dois repórteres, de modo aparentemente aleatório, escolhiam colunistas para ouvi-los sobre assuntos variados. Fui um dos convocados e a pergunta me veio assim: "Puggina, Zero Hora é um jornal de esquerda ou de direita?". Todos riram, e eu também, pela oportunidade que a indagação me proporcionava. Respondi: "O jornal, diferentemente do Estadão e da Folha, por exemplo, não tem um alinhamento editorial nítido. No entanto, pelo somatório das opiniões dos colunistas, acaba sendo claramente de esquerda".
Era
o que eu pensava e penso ainda hoje, quando não mais escrevo para ZH,
ao ler cada exemplar do jornal. Na ocasião, após os risos e
restabelecido o silêncio, continuei: "Essa, aliás, é a opinião do
próprio jornal. Leitores me contam que ao telefonar para reclamar do
viés esquerdista de ZH, ouvem da pessoa que os atende o esclarecimento:
– 'É, mas tem o Puggina'"... E completei: "Eu sou o pluralismo de Zero Hora".
– 'É, mas tem o Puggina'"... E completei: "Eu sou o pluralismo de Zero Hora".
Seguiram-se
muitas gargalhadas entre as quais discerni alguns poucos aplausos.
Menciono esse curioso episódio porque ele tem muito a ver com algo que
já então fazia parte de minhas pautas preferidas: o uso da imprensa
profissional, dos grandes órgãos de comunicação, para atender
conveniências ideológicas e partidárias. E note-se, para atender menos
às respectivas empresas e mais, muito mais, ao paladar político de seus
redatores e colunistas permanentes. O resultado é uma perda de poder dos
veículos, que veem reduzida sua credibilidade e influência. A posição
unânime de todos os profissionais da RBS, em rádio, jornal e TV, a favor
da manutenção da exposição do Queermuseu foi episódio paradigmático no
Rio Grande do Sul. Lembro o modo vigoroso como se opuseram à imensa
maioria da opinião pública que, pelas redes sociais, exigiu do Santander
Cultural o fechamento da mostra.
Como
exibiam tais conteúdos sem restrição de faixa etária? Ficou visível,
ali, a estupefação. Foi como se, de um modo ou outro, os formadores de
opinião exclamassem: "Que é isso? Não nos ouvem mais?". Não.
Recentemente, dois jornalistas pelos quais tenho admiração – J.R. Guzzo (Veja) e Carlos Alberto Di Franco (Estadão) - comentaram a cegueira da mídia convencional em relação ao que se passava na cabeça dos brasileiros durante o período eleitoral. A grande mídia estivera empenhada numa luta do bem contra o mal. Seus jornalistas sustentavam que Bolsonaro não teria a menor chance. Apoiados nas desacreditadas pesquisas, afirmavam que ele perderia para todos no segundo turno. Insistiam em apresentar Lula como um candidato imbatível, impedido por isso mesmo de concorrer. Calavam sobre sua condição de criminoso sentenciado, que usou o processo eleitoral para uma derradeira fraude. Segundo Guzzo, comunicadores brasileiros "tentaram provar no noticiário que coisas trágicas iriam acontecer no país se Bolsonaro continuasse indo adiante". E eu completo: dir-se-ia, ao lê-los, que ele ameaçava um seguro convívio social e um benemérito círculo de poder. "É preciso informar com objetividade. Esclarecer os fatos sem a distorção das preferências e dos filtros ideológicos", escreveu Di Franco em "Imprensa, autocrítica urgente e propositiva".
É o que
também penso enquanto observo o crescimento vertiginoso da
democratização da informação através das redes sociais. Tenho cá minhas
dúvidas, muitas dúvidas, sobre se a perversão das fake news, recorrentes
nessas novas mídias, é mais nociva do que a ocultação dos fatos, a
maliciosa seleção das matérias e do vocabulário, e a distorção das
análises, em tantos veículos da mídia tradicional. Ou fazem esse
autoexame ou serão desbancados pelos alternativos, entre os quais
grandes talentos pessoais e sucessos empresariais já se afirmam.Recentemente, dois jornalistas pelos quais tenho admiração – J.R. Guzzo (Veja) e Carlos Alberto Di Franco (Estadão) - comentaram a cegueira da mídia convencional em relação ao que se passava na cabeça dos brasileiros durante o período eleitoral. A grande mídia estivera empenhada numa luta do bem contra o mal. Seus jornalistas sustentavam que Bolsonaro não teria a menor chance. Apoiados nas desacreditadas pesquisas, afirmavam que ele perderia para todos no segundo turno. Insistiam em apresentar Lula como um candidato imbatível, impedido por isso mesmo de concorrer. Calavam sobre sua condição de criminoso sentenciado, que usou o processo eleitoral para uma derradeira fraude. Segundo Guzzo, comunicadores brasileiros "tentaram provar no noticiário que coisas trágicas iriam acontecer no país se Bolsonaro continuasse indo adiante". E eu completo: dir-se-ia, ao lê-los, que ele ameaçava um seguro convívio social e um benemérito círculo de poder. "É preciso informar com objetividade. Esclarecer os fatos sem a distorção das preferências e dos filtros ideológicos", escreveu Di Franco em "Imprensa, autocrítica urgente e propositiva".
Esse comportamento manipulador da mídia termina por se defrontar com a inteligência de seus alvos. Podemos até sofrer algum tipo de efeito dessa manipulação, mas quando surge a verdade, e ela sempre surge, a coerência que domina a consciência do cidadão de bem, sempre exige uma retomada de posição. Isso foi o que aconteceu comigo, eleitor que fui do ex-presidente Lula na sua primeira eleição, possivelmente atingido pelo falseamento da mídia corrompida pelo vil metal, que considera o seu trabalho de falseamento da verdade um caminho justificado ética e moralmente. Quando o noticiário trouxe à tona, impossível de ocultar, do escândalo do mensalão, de imediato vi a farsa em que eu tinha me metido, e desisti do apoio que dava ao então presidente Lula, aquele que não sabia de nada, que protegia todos os corruptos e corruptores. A partir daí essa linguagem distorcida da mídia não mais me alcançou, como deve ter acontecido com milhares de cidadãos por este país afora.
*Texto enviado pelo autor, que é professor da UFRN. Originalmente publicado em http://www.siostiodelapa.net , cuja visitação recomendo.
0 comments:
Postar um comentário