por José Nêumanne
Exemplo claro de que normalmente quem detém a coroa consegue safar-se de
qualquer apuro, por mais complicado que possa parecer, é a recente
decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, em plantão no
recesso do fim de ano, de, a pedido do deputado estadual fluminense e
senador eleito pelo PSL Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente da
República, suspender a investigação de seu ex-motorista e segurança
Fabrício Queiroz, PM aposentado, para apurar movimentação financeira
atípica constatada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf), hoje sob o ministro da Justiça, Sergio Moro. As investigações
serão suspensas até o relator, ministro Marco Aurélio Mello, se
pronunciar. Dilma, rainha deposta, denunciada por Palocci, poderá ser
presa a qualquer momento, mas a investigação sobre o herdeiro do trono
foi suspensa.
E aí, Moro, como é que fica? Vai levar uma bola nas costas ou apurar o
assunto? O silêncio só se justifica se a desconfiança gerada for a
melhor explicação encontrada. Ficou patente que houve desvio de verbas
pela família para atender às despesas sem se lançarem nas mãos das
empreiteiras. Se sair, Sua Excelência pode acabar com o governo que o
povo escolheu para limpar o Brasil e fazer as reformas necessárias. Se
ficar e mandar investigar a primeira-dama, poderá derrubar o governo e
cair junto. A geometria da situação só admite uma saída: a bola
autodirigida às próprias costas. Ou seja, procurar para não achar. Lula
usou esse expediente de forma recorrente. É o dilema da lei contra a
coroa.
No passado tivemos exemplos que não foram, em momento algum,
considerados pelo PT, dado que se trata de um partido pouco afeito ao
estudo da História e do funcionamento das instituições democráticas.
Durante a Revolução Francesa, por exemplo, Robespierre, o incorruptível,
depois de se tornar um dos campeões do Terror revolucionário, acabou
guilhotinado. Os líderes revolucionários e os governos que instituíram
encontraram quase sempre ao final do seu trajeto o cadafalso, incluído o
suspeito Danton, mas a coroa resistiu, tanto que, assim que conseguiu,
Napoleão Bonaparte tratou de se ser sagrado imperador.
Quando Márcio Thomaz Bastos partiu para a eternidade, levando no ataúde a
caixa-preta de muitas ações criminosas perpetradas pelo partido ao
qual serviu como ministro da Justiça, logo ficou claro que o PT tinha
perdido o controle das instituições, e aí o sistema voltou-se contra
ele.
A saída de cena de Márcio, na verdade, ensejou o surgimento da Operação Lava Jato. Os outsiders conseguiram, em Curitiba, identificar uma poderosa rede criminosa envolvendo o PT, seus aliados e até a soit-disant oposição
tucana (comprada), políticos e empresários, corajosamente posta atrás
das grades. Os números da operação comandada por Sergio Moro
surpreendem: foram 2.476 procedimentos instaurados, 82 acusações contra
347 pessoas e 215 condenações. Os principais líderes do PT foram
condenados e o chefão do bando, o ex-presidente Lula, está preso.
Mas ainda não chegou ao fim. Como escrevi em artigo publicado na semana passada neste blog sob o título de Ainda a roubalheira do PT(https://politica.estadao.com.br/blogs/neumanne/ainda-a-roubalheira-do-pt/), o procurador da Lava Jato Roberson Pozzobon, em entrevista a O Estado de S. Paulo, declarou recentemente que muito ainda está por vir.
Os malfeitos de Executivo e Legislativo foram expostos e as punições
estão em curso. Agora eventuais delações do ex-ministro Antônio
Palocci, do ex-procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro Cláudio
Lopes e de Sérgio Cabral prometem abrir mais caixas-pretas. Urge criar
condições para que os três falem com detalhes sobre os crimes que
protagonizaram ou de que foram cúmplices.
Palocci dispõe-se a revelar as falcatruas postas em prática pelo PT nos
fundos de pensão. Ele acaba de assinar a terceira delação premiada, no
âmbito da Operação Greenfield, que investiga os desvios nos fundos de
pensão do Banco do Brasil (Previ), da Petrobrás (Petros) e da Caixa
Econômica Federal (Funcef). O PT, de forma escandalosa, fez uso da
poupança dos aposentados e associados dos fundos de pensão para se
perpetuar no poder. Ele se propõe a contar os bastidores do mercado
persa das medidas provisórias, cujos números impressionam. Segundo
Palocci, “900 das mil medidas provisórias envolviam propinas”. Não é
espantoso por um motivo simples: o espanto passou a ser a regra, não
mais a exceção. Mas Palocci não delataria empresas e instituições
financeiras? Será que vai? Ou será mais uma omissão premiada?
Outro que tem muito a contar é o procurador-geral Claudio Lopes,
delatado por receber propina para abafar a corrupção do governo de
Sérgio Cabral. Do seu depoimento poderão sair informações preciosas para
entender como funcionava a poderosa máquina de corrupção que pôs a
pique as finanças do Estado do Rio de Janeiro.
Ciente de que pode passar décadas na prisão, Sérgio Cabral convenceu-se,
afinal, de que só lhe resta, para amenizar as penas a que faz jus,
negociar uma delação premiada. Sabe-se que, para intranquilidade de
muitos, ele promete revelar as mazelas da magistratura do Estado que
governou, magistratura essa que o cortejou muito e lhe garantiu por
anos a fio forte influência no Ministério Público e em varas, cortes e
tribunais.
Um dos maiores aliados do PT, “Serginho”, como era carinhosamente
tratado por Lula, tem muito a contar. Sem o apoio do Estado de São
Paulo, e tendo Minas alternado o poder com o PMDB, o apoio de Cabral
foi vital para o petista. A aliança dele com Lula mostrou-se fundamental
para o PT. Em troca de apoio político, Cabral ganhou influência na
área da Justiça, tendo conseguido nomear vários ministros para as
Cortes Superiores.
Sua delação deve ser encarada, portanto, como uma urgência, pois ela tem
tudo para ajudar a promover uma benéfica higienização das togas, o que
vai contribuir para que o Brasil avance no campo da transparência
institucional e da ética no âmbito dos Três Poderes.
Há que atentar, entretanto, para uma questão grave: o difícil será o
emedebista encontrar um advogado disposto a tocar uma delação que vai
devassar a podridão instalada nos subterrâneos do Judiciário. Dois de
seus advogados já o abandonaram quando ele admitiu que, acuado, só lhe
resta agora entregar os maganões do Judiciário, sob pena de sua delação
não interessar mais à Polícia ou ao Ministério Público Federal. Mas quem
opta pela delação premiada tem cada vez mais dificuldade de contratar
advogado. No caso do ex-governador, chefão político recordista absoluto
em duração de penas, a situação é ainda mais complicada, dado que ele
se dispõe a contar dos atos nada honrosos praticados por integrantes
dos tribunais superiores. Teme-se que nenhuma banca de advocacia
resista à retaliação dos tribunais e ao fato de os clientes preferirem
ir embora.
O certo é que a cúpula judiciária não quer saber desse assunto e tudo
fará para manter o ex-governador no silêncio de sua cela. O Judiciário
teme um incêndio que poderá ir longe, destruindo reputações até agora
intocadas, protegidas pelo corporativismo.
O atual ocupante do Ministério da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro, que
conhece a fundo os crimes praticados por políticos e empresários durante
os mandatos de Lula e Dilma, terá agora a oportunidade de contribuir
com seu saber, sua experiência e seu destemor para que não se imponham
obstáculos de nenhuma ordem à necessária e urgente delação de Sérgio
Cabral sobre o Judiciário, com o qual ele conviveu tão intimamente, mas
por cuja cúpula foi tão hostilizado. E até humilhado. Basta lembrar,
nesse particular, o carão que levou do atual presidente do STF, Dias
Toffoli, pelo crime, para este, imperdoável, de determinar o uso de
tornozeleiras pelo ex-chefinho adorado José Dirceu de Oliveira e
Silva. Parece-me razoável que, se forem consistentes os fatos e as
provas apresentados por Sérgio Cabral, ele poderá mesmo merecer uma
redução de suas penas enormes. Diante de tudo o que têm sofrido em
crises política, econômica, financeira e, sobretudo, moral, o Brasil e
os brasileiros precisam ter certeza de que seus magistrados, inclusive
os “supremos”, são honestos e não se deixam manobrar por siglas ou
partidos. Ou seja: que o martelo do juiz seja usado para punir todos os
culpados e o peso da coroa não distorça tanto o equilíbrio de sua
balança.
O Estado de São Paulo
extraídaderota2014blogspot
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