editorial de O Globo
É arriscado prever a queda imediata do regime cleptocrático e ditatorial
da Venezuela. É visível, porém, o célere derretimento da estrutura de
poder que sustentou o falecido coronel Hugo Chávez e ainda mantém o
sucessor nomeado Nicolás Maduro no palácio presidencial de Miraflores.
Os eventos previstos para hoje em Caracas sinalizam aumento da pressão
interna para a derrubada do grupo chavista, sob respaldo internacional. A
data é simbólica no calendário venezuelano: nesse dia, em 1958, o país
celebrou a queda da ditadura de Marcos Pérez Jiménez.
Jiménez passou à História como o militar que em seis anos sustentou uma
política de “extirpação” — definição dele — dos adversários políticos.
Há registros sobre o estímulo ao desenvolvimento de tecnologias de
tortura, como as prisões com câmaras de gelo e os “ringues” para
espancamentos com bolas de aço.
Na época, a crítica situação econômica insuflou a classe média e
alavancou uma sucessão de rebeliões em quartéis. No 23 de janeiro,
militares derrubaram o ditador.
Seis décadas separam o ocaso da era Jiménez da dissolução da estrutura
de poder de Maduro. Há semelhanças na sequência de motins militares (há
mais de 350 detidos, entre eles os 27 de ontem); nas prisões em massa de
adversários (são mais de 12.400, segundo entidades humanitárias); nas
centenas de casos de assassinatos e tortura catalogados; e nas violentas
manifestações.
A diferença entre o cenário da queda de Jiménez, que se evoca hoje, e o
colapso do regime de Maduro está na dimensão avassaladora da crise
econômica, com graves sequelas humanitárias e êxodo de quase três
milhões de venezuelanos, cerca de 10% da população. À inflação de
1.300.000% no ano passado, o regime respondeu com nova moeda. Nas
últimas três semanas, ela perdeu mais de 50% do seu valor.
Não há saída sob tais condições para o consórcio civil-militar que, além
da corrupção em escala industrial, transformou o país, dono de uma das
maiores reservas de petróleo, em território livre para terroristas do
ELN colombiano e para o narcotráfico sul-americano.
O desenlace está próximo. É desejável que aconteça sem banhos de sangue.
A via institucional, doméstica, está assegurada pela Assembleia
Nacional, única instância reconhecida como legítima.
O Brasil deve reforçar seu apoio à restauração democrática, com cautela
e, principalmente, mantendo distância dos delírios militaristas que
entusiasmam alguns políticos no continente.
extraidaderota2014blogspot
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