editorial do Estadão
Ainda não é possível atestar o fim da ditadura de Nicolás Maduro na
Venezuela porque, no momento, são desconhecidas as posições das Forças
Armadas, da Guarda Nacional Bolivariana e das milícias que formam o
tripé armado da base de sustentação do regime. O que se sabe é que o
governo comprou o apoio das cúpulas daquelas organizações a peso de
ouro. É certo, no entanto, que a posição de Maduro nunca esteve tão
frágil como agora, submetida a enormes pressões internas e externas.
Na quarta-feira passada, milhares de manifestantes se reuniram nas ruas
de Caracas, inclusive nos bairros periféricos mais dependentes das
benesses estatais, para pedir a queda de Nicolás Maduro. A data não foi
escolhida ao acaso: marcava o 61.° aniversário do fim da ditadura de
Marcos Pérez Jiménez (1948-1958). Diante da multidão, o presidente da
Assembleia Nacional (AN), Juan Guaidó, autoproclamou-se presidente
interino e prestou juramento simbólico invocando o artigo da
Constituição da Venezuela que lhe confere autoridade para declarar a
vacância da Presidência da República em caso de ruptura constitucional e
convocar nova eleição em um prazo de 30 dias.
Nicolás Maduro foi declarado “usurpador” pela AN após tomar posse, dia
10 deste mês, para exercer o segundo mandato (2019-2025). A eleição da
qual saiu vitorioso, em maio do ano passado, não passou de um embuste, o
que levou os países que integram o Grupo de Lima, à exceção do México, a
declarar sua “ilegitimidade” como presidente, posição que foi seguida
pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela União Europeia
(UE).
Pouco após o discurso de Guaidó, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu-o como presidente de facto da
Venezuela. O ato diplomático americano foi seguido por outros 14
países, incluindo o Brasil. Em nota, o Ministério das Relações
Exteriores afirmou que “o Brasil reconhece o senhor Juan Guaidó como
Presidente Encarregado da Venezuela”. O governo brasileiro também
reforçou a disposição do País em “apoiar política e economicamente o
processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à
Venezuela”. O Itamaraty ainda orientou os diplomatas brasileiros a
“ignorar” medidas baixadas por Nicolás Maduro.
É improvável que a transição política ocorra pacificamente. Reconhecer
um segundo governo quando o primeiro ainda tem meios de oferecer
resistência é um gesto arriscado cujo desdobramento pode ser um conflito
interno. De acordo com a ONG Observatório Venezuelano de Conflito
Social, 16 pessoas morreram durante os protestos em Caracas e nos
Estados de Táchira, Barinas, Portuguesa, Amazonas e Bolívar, entre terça
e quinta-feira.
A Rússia e a China, maiores aliados do governo de Nicolás Maduro,
reafirmaram apoio ao regime, o que elevou o grau de tensão da crise. O
porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, afirmou que é “inaceitável” a
tentativa de destituição de Maduro e que uma eventual ação militar
neste sentido, patrocinada pelos Estados Unidos, resultaria em um “banho
de sangue”. O governo chinês foi mais comedido e, embora tenha
reforçado o apoio a Maduro, pediu que “todos os lados permaneçam calmos
para que se possa chegar a uma solução pacífica” para a crise.
Em Brasília, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, descartou qualquer participação militar brasileira na Venezuela.
“O Brasil não participa de intervenções, não é da nossa política
externa intervir nos assuntos internos dos outros países”, disse. Ocorre
que o País já interveio por meio do reconhecimento de Juan Guaidó como
presidente interino. O ato diplomático produzirá consequências que ainda
não estão totalmente claras. É bom, contudo, que o governo descarte, de
pronto e claramente, qualquer mobilização de tropas para atuação na
Venezuela.
Além das ações diplomáticas, as autoridades brasileiras devem preparar o
País para os desdobramentos da crise venezuelana na região de
fronteira. É naquela região do País que os efeitos de um eventual
recrudescimento das hostilidades serão mais sentidos.
extraídaderota2014blogspot
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