, por José Nêumanne
Em 6 de dezembro passado, reportagem de Fábio Serapião, da sucursal do Estado em Brasília, revelou que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), hoje da alçada do Ministério da Justiça de Sergio Moro, constatou movimentações financeiras de R$ 1,2 milhão na conta do PM Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual Flávio Bolsonaro. Senador eleito com expressiva votação e, sobretudo, filho do presidente Jair Bolsonaro, ele passou a protagonizar um caso, no mínimo, difícil de explicar. E que desde então tem ficado mais complicado para o chefe do governo, escolhido para, em nome da nova política, isenta de corrupção, sepultar a velha, corrupta por definição.
A notícia bateu à porta do Palácio da Alvorada porque foi constatado um cheque depositado na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Mas o mais grave é que os depósitos em cheques feitos pelo ex-motorista e segurança do ainda deputado estadual na agência bancária da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) fazem emergir a hipótese de um crime corriqueiro na gestão pública nacional. Ou seja, o achaque praticado por parlamentares municipais, estaduais e federais, acusados de receberem de funcionários bem remunerados, mas que não trabalham, quase a totalidade de seus vencimentos.
Reportagem de Carla Bridi e Paulo Beraldo publicada na página A4 do Estado de domingo 20/1 revela que assembleias de 16 Estados são alvo de investigações desse tipo de peculato – que atende pela alcunha de “rachid” (referência a rachar, compartilhar) – pelo Ministério Público (MP). Mais da metade dos parlamentares estaduais responde por suspeita desse e de outros tipos de irregularidades. A saber: a contratação de funcionários fantasmas (dispensados do trabalho), empréstimos de chefe a subordinado para este abrir conta avulsa para movimentação paralela e transferência de parte dos benefícios do servidor exonerado para o empregador. A prática é geral: multipartidária e pluri-ideológica.
O valor movimentado pelo sargento PM aposentado Queiroz está entre os mais modestos de todos: a movimentação do gabinete do presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), de R$ 49 milhões, é 41 vezes maior que a dele.
Isso não impede, contudo, que os petistas cobrem nas redes sociais, veículos de comunicação preferidos da família presidencial, a quebra do compromisso de senador eleito, pai e irmãos com o combate prioritário e rigoroso à corrupção. Essa pregação foi um Leitmotiv dos mais populares dos quase 58 milhões de votos que deram ao capitão reformado do Exército uma vitória espetacular sobre seu principal adversário, Lula, do PT, encarnado por Fernando Haddad.
Em teoria, então, esta seria uma oportunidade rara para combater um dos crimes mais comuns e onerosos para o cidadão e contribuinte da História da gestão pública no Brasil. Como relatam Bridi e Beraldo, pelas vias da Justiça não tem sido fácil. “É muito difícil provar. Tem que pedir quebra de sigilo bancário. Às vezes, nem isso adianta”, disse-lhes a promotora Daniela Thomé, do Ministério Público do Paraná. “Muitas vezes não conseguimos traçar o caminho do dinheiro”, informou Sílvio Marques, colega dela da área do patrimônio público do MP de São Paulo.
A deputada estadual paulista Janaína Paschoal (PSL) contou no Twitter que ouviu de um corregedor da Assembleia Legislativa de São Paulo uma explicação para essa dificuldade. Ela relatou que os servidores lesados, quando denunciam os parlamentares, perdem o emprego e ainda têm de devolver os vencimentos integrais que receberam.
A reportagem dá conta de mandados de prisão expedidos por operações como Canastra Real e Dama de Espadas, em 2015, no Rio Grande do Norte, e Rescisória, em 2016, no Amapá. O deputado estadual paraibano Manuel Ludgério (PSD) lesou sua doméstica.
Esses casos esporádicos são, contudo, gotas num mar de lama imenso e indevassável, a exigir uma operação maior do que a Lava Jato. Um desafio gigantesco para o herói Sergio Moro no Ministério da Justiça e num sistema judiciário apodrecido a ponto de tornar inviável a contratação de um advogado por Sérgio Cabral para negociar sua delação premiada, por esta ameaçar figurões de todas as instâncias da Justiça.
O fio da meada puxada pelo Coaf, citado no primeiro parágrafo, tem muitos nós, um deles no lar, doce lar do chefe de Moro. O vice Mourão e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, sacaram a arma retórica para inocentar o primogênito do chefe. Este não é acusado na área penal, mas conseguiu a benemerência da suspensão de investigação de seu ex-assessor por Luiz Fux, plantonista no Supremo Tribunal Federal, que o irmão dele, Eduardo, reeleito deputado federal pelo PSL em São Paulo, ameaçou fechar, bastando para tanto “chamar um cabo e um soldado”.
Não será possível deter o desgaste político do governo se não for dada uma explicação “plausível” para o que foi noticiado sobre Flávio, principalmente depois da publicação pelo Globo de que abrigou em seu gabinete a mãe e a mulher do foragido Adriano Magalhães da Nóbrega, capitão PM acusado de ser o homem forte da organização criminosa Escritório do Crime, acusada de ter participado da cruel execução da vereadora Marielle Franco.
Até viajar para Davos com o filho Eduardo, Bolsonaro teve a companhia permanente de outro filho, Carlos, no gabinete. A partir de fevereiro, poderá recorrer apenas ao pátrio poder para domar o triunvirato familiar, que não contribui para sua paz, governabilidade e simpatia popular. Eduardo poderá ser útil num trabalho de formiguinha para evitar pautas-bomba na Câmara de Rodrigo Maia. Flávio também será providencial se conseguir impedir punhaladas de Renan Calheiros no Senado. E Carlos tem de cumprir o seu dever de vereador no Rio conflagrado.
*JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
O Estado de São Paulo
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