por Nelson Motta
Dividi com um jovem boa-praça que conheci no avião, e também era calouro
em Nova York, um quarto enorme num hotel da Rua 46 por 11 dólares.
Fui passear e dei com uma lojinha de bugigangas e novidades, oferecendo a
nova moda de decoração: por um dólar, lindos pôsteres de um metro
quadrado em preto e branco, de grandes artistas e personalidades, que
davam beleza e identidade à sua casa, diziam quem você era. Elvis,
Marlon Brando, Luther King, Pancho Villa ...
Dei gargalhadas com um vendedor oferecendo aos berros pôsteres de
“Charlie” Marx e “Freddie” Engels, com a maior intimidade, como se
fossem ídolos de beisebol. No Brasil, seria preso como subversivo.
Temerário, levei bem enrolado no fundo da mala um pôster de Trótski para
o nosso ídolo da redação do “Jornal do Brasil”, Fernando Gabeira, que
logo cairia na clandestinidade.
Levei um baita susto ao ver vários modelos de camiseta com a cara de Che
Guevara, que eram impensáveis no Brasil. Tinham virado moda entre os
jovens, estavam fazendo muito dinheiro com elas. Pensei nas tais
contradições do capitalismo que discutíamos na faculdade, diante da
força irresistível da máquina colossal que transformava seus inimigos em
produtos de consumo. Que transformava tudo em entretenimento e
dinheiro: política, sexo, religião, crimes... mas em plena democracia.
A liberdade e a fartura americanas me impressionaram como um novo mundo,
a opção eram a pobreza e a repressão do comunismo cubano e soviético
sonhado pela esquerda brasileira. Mas como ser contra a ditadura sem ser
a favor da esquerda?
Mais de meio século depois, atualizo a pergunta. Como ser, no Brasil de
Bolsonaro, contra a direita religiosa, sem ser a favor da esquerda
populista?
O Globo
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