por William Waack
A estreia internacional de Jair Bolsonaro será em Davos, local símbolo
das elites “globalistas” e antissoberania nacional que o novo presidente
brasileiro foi convencido a combater. Fazem parte dessa elite também os
grandes nomes ligados ao volátil mundo dos investidores e sua
incessante busca por oportunidades, grupo que o novo presidente
brasileiro foi convencido já há bastante tempo a cultivar.
Como a luta contra o “globalismo” (qualquer que seja a definição que se
empregue) tem características de guerra cultural – pois estamos falando
de valores – o momento da entrada em cena de Bolsonaro em Davos é
especial. Ocorre quando os dois maiores “choques” antiglobalistas passam
por graves dificuldades. Brexit e Trump estão dando muito conforto a
seus críticos e adversários.
No voto do Brexit, os antiglobalistas enxergaram até mesmo a luta
heroica de um povo para recuperar sua soberania e dignidade. Mas a
cizânia política trazida pelo resultado é de tal ordem que, hoje, o
Reino Unido chegou a ponto de não ter Brexit, não ter acordo para
Brexit, não saber o que fazer com Brexit nem com o próprio governo
conservador. A confusão está dando projeção a um populista de esquerda,
Jeremy Corbyn. E pode acabar em novo referendo sobre... Brexit.
Faz dois anos também que Donald Trump assumiu causando um monumental
choque político, seguido agora de uma imensa bagunça política em casa.
As investigações contra ele prometem levar a pedidos de impeachment na
Câmara, cujo controle perdeu para os adversários democratas. Perigo
maior são os políticos republicanos que sofreram nas eleições de meio
termo em novembro último e não gostaram nem um pouco da renúncia do
general Jim Mattis do Pentágono.
Trump decidiu topar uma inédita paralisação da máquina do governo
americano por conta do financiamento de uma promessa de campanha –
construir um muro na fronteira com o México – que já causa danos à
economia real e faz o próprio campo político republicano perguntar se há
alguma relação saudável entre custos e benefícios, sobretudo políticos.
Diga-se de passagem que a articulação dos adversários democratas está
se dando num eixo de “esquerdismo” nunca antes visto no mainstream da
política americana.
O ponto de interrogação levantado por vários comentaristas
internacionais sobre os limites dos movimentos políticos simbolizados
por Trump e Brexit não tem resposta clara. Alguns dos fatores que
ajudaram esses movimentos a ganhar corpo e projeção continuam presentes.
Eles são, em forma ultrarresumida, de três tipos: as forças econômicas
que criaram ganhadores (elites) e perdedores (trabalhadores em países
industrializados). As forças culturais, sobretudo o nacionalismo e o
peso da religião.
E, em terceiro, o “antiglobalismo” nas suas várias versões é um fenômeno
por sua vez global, que vai de Londres a Washington, de Roma a Manila,
de Brasília (direita) ao México (esquerda) – para não falar dos regimes
“duros” dos homens fortes na Rússia, China ou Turquia.
A tentação óbvia para Bolsonaro é falar tanto aquilo que gostariam de
ouvir os que ele pretende cultivar (investidores) como aqueles com os
quais se alinha nessa “cruzada antiglobalista”. Não há em princípio uma
contradição: os chineses se consagraram ao capitalismo dizendo que não
importa a cor do gato contanto que pegue o rato.
Mas é bom ter na cabeça o que aconteceu com o Brexit. Começou prometendo
aos britânicos a volta do destino nas próprias mãos e, portanto, um
futuro melhor. No momento, deixou o Reino Unido na condição de país sem
destino. Ideias ruins costumam trazer consequências ruins.
O Estado de São Paulo
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