por Olavo de Carvalho.
É um ambiente de alucinação e farsa, no qual só o pior e mais vil pode prevalecer.
O cúmulo da devassidão mental se alcança quando as leis penais passam a ser redigidas dessa maneira. Se a definição de uma conduta delituosa é vaga e imprecisa, a tipificação do crime correspondente se torna pura matéria de preferência subjetiva do juiz ou de pressão política por parte de grupos interessados. Assim, por exemplo, o agitador que pregue abertamente a inferioridade da raça negra e o engraçadinho que faça uma piada ocasional sobre negros podem ser condenados à mesma pena por delito de "racismo".
Duas condutas qualitativamente incomparáveis são niveladas por baixo: não há mais diferença entre delito e aparência de delito. É a mulher de César às avessas: não é preciso ser criminoso, basta parecê-lo. Basta caber numa definição ilimitadamente elástica que inclui desde o uso impensado de certas palavras até a doutrinação genocida explícita e feroz. "Racismo" é uma figura de linguagem, não um conceito rigoroso correspondente a condutas determinadas. Uma lei que o criminalize é um jogo de azar no qual a justiça e a injustiça são distribuídas a esmo, por juízes que têm a consciência tranquila de estar agindo a serviço da liberdade e da democracia. É uma comédia. Quem se der o trabalho de distinguir analiticamente os vários sentidos com que a palavra "racismo" é usada em diversos contextos verificará que correspondem a condutas muito diferentes entre si, das quais algumas podem ser criminosas. Estas é que têm de ser objeto de lei, não o saco de gatos denominado "racismo". E "homofobia", então? Seu sentido abrange desde o impulso homicida até devoções religiosas, desde a discussão científica de uma classificação nosológica até a repulsa espontânea por certo tipo de carícias — tudo isso criminalizado por igual. Quem cria e redige essas leis são obviamente pessoas sem o mínimo senso de responsabilidade por seus atos: são adolescentes embriagados de um delírio de poder; são mentes disformes e antissociais, são sociopatas perigosos. Só eleitores totalmente ludibriados podem ter elevado esses indivíduos à condição de legisladores, dando realidade à fantasia macabra do Doutor Mabuse de Fritz Lang: a revolução dos loucos, tramada no hospício para subjugar a humanidade sã e impor a demência como regra. E não pensem que ao dizer isso esteja eu mesmo apelando a uma figura de linguagem, hiperbolizando os fatos para chamar a atenção sobre eles. A incapacidade de distinguir entre sentido literal e figurado, a perda da função denominativa da linguagem e a redução da fala a um jogo de intimidação e sedução sem satisfações a prestar à realidade são sintomas psiquiátricos característicos. Quando tomei conhecimento dos diagnósticos político-sociais elaborados pelos psiquiatras Joseph Gabel e Lyle H. Rossiter, Jr., que, indo além da concepção schellinguiana da "doença espiritual", classificavam as ideologias revolucionárias como patologias mentais em sentido estrito, achei que exageravam. Hoje sei que estavam certos.
As figuras de linguagem são instrumentos indispensáveis não só na comunicação como na aquisição de conhecimento. Quando não sabemos declarar exatamente o que é uma coisa, dizemos a impressão que ela nos causa.
Todo conhecimento começa assim. Benedetto Croce definia a poesia como "expressão de impressões". Toda incursão da mente humana num domínio novo e inexplorado é, nesse sentido, "poética". Começamos dizendo o que sentimos e imaginamos. É do confronto de muitas fantasias diversas, incongruentes e opostas que a realidade da coisa, do objeto, um dia chega a se desenhar diante dos nossos olhos, clara e distinta, como que aprisionada numa malha de fios imaginários — como a tridimensionalidade do espaço que emerge das linhas traçadas numa superfície plana. Suprimir as metáforas e metonímias, as analogias e as hipérboles, impor universalmente uma linguagem inteiramente exata, definida, "científica", como chegaram a ambicionar os filósofos da escola analítica, seria sufocar a capacidade humana de investigar e conjeturar. Seria matar a própria inventividade científica sob a desculpa de dar à ciência plenos poderes sobre as modalidades "pré-científicas" de conhecimento.
Mas, inversamente, encarcerar a mente humana numa trama indeslindável de figuras de linguagem rebeldes a toda análise, impor o jogo de impressões emotivas como substituto da discussão racional e fazer de simbolismos nebulosos a base de decisões práticas que afetarão milhões de pessoas é um crime ainda mais grave contra a inteligência humana; é escravizar toda uma sociedade — ou várias — à confusão interior de um grupo de psicopatas megalômanos.
* Publicado originalmente no Diário do Comércio, 11 de junho de 2007.
extraídadepuggina.org
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