por Roberto Luis Troster O Estado de São Paulo
O ditado acima, em latim diz que a corrupção das melhores coisas as
transforma nas piores. Vale para a política, o crédito, a economia e as
condições de bem-estar de um País. O Brasil tem os requisitos para ser
um paraíso: é uma terra de oportunidades com recursos naturais
abundantes, capacidade empresarial, clima bom, máquinas prontas para
produzirem, estoques baixos e um comércio moderno. Mesmo assim se tornou
um pesadelo para parte expressiva da sua população.
A imagem é assustadora. Colocando todos os 13,77 milhões de desocupados
no Brasil lado a lado de braços abertos formariam uma linha de 22.928
km. É uma distância maior que o perímetro do País, que mede 22.670 km,
15.179 km de fronteiras com nove países mais 7.491 km de litoral, do
Oiapoque ao Chuí.
Se incluirmos suas famílias e os subempregados, teremos mais de uma
volta de cidadãos com problemas num País em que há tudo e onde milhões
deles estão sofrendo danos irreparáveis, em sua quase totalidade das
camadas mais pobres.
A falta de emprego tem consequências graves, como diminuição da
autoestima, deterioração de laços familiares, destruição de lares,
perdas patrimoniais – são dezenas de milhares de imóveis retomados por
falta de pagamentos – e redução do padrão de vida, que em alguns casos é
a porta da miséria.
A demora na retomada do emprego é cruel para as esperanças de uma vida
em consonância com as possibilidades do País. Mais amedrontador é o
consenso que se vem formando de que a economia está tendo o melhor
desempenho possível, considerando as condições existentes, e o emprego
virá a reboque do crescimento, devagar e defasado.
Essa concordância é perigosa, pois não é verdadeira. É possível acelerar
a retomada do emprego e da economia. É fato, o Poder Executivo melhorou
a condução da economia em alguns aspectos, mas também é fato que seu
desempenho foi fraco até agora. O número de desempregados aumentou, o
déficit primário subiu, a dívida pública se avolumou e duas empresas de rating mudaram a perspectivas do crédito soberano do País para negativa.
A prioridade da atual política econômica é manter a solvência do Estado.
Que é importante e necessária. Entende-se que dessa forma o crescimento
virá como consequência e a questão da desocupação é tratada como
residual. Deve ser destacado que a saúde das contas públicas é um meio
para o bem-estar da sociedade, não o contrário.
Para o saneamento das finanças do governo estão sendo usando dois
instrumentos, o ajuste fiscal e a reforma da Previdência. A qualidade do
aperto de gastos é baixa, houve um contingenciamento falho nas despesas
discricionárias, como cortes para a emissão de passaportes e para a
Polícia Rodoviária, a Previdência aumentou de peso, mas o inchaço da
folha de pagamentos do governo é o que mais se agravou.
A reforma da Previdência é necessária, mas a apresentada até agora é
tímida, trata apenas do setor privado, quando o problema principal é o
público. Outro ponto é que, no curto prazo, diminui a oferta de novas
vagas, pois os trabalhadores atuais vão ficar mais tempo na ativa até se
aposentarem. Mais um agravante na questão do desemprego.
É fato, o País vai crescer neste ano e nos próximos, mas isso já era o
projetado há mais de dois anos. A atual equipe econômica tem capacidade
de execução, conseguiu aprovar todas as medidas que propôs, mas
apresenta desacertos na formulação da estratégia de reativação do
emprego e da atividade. Uma parte das falhas está em restrições
institucionais e políticas e outra, na falta de um projeto Brasil.
A corrupção na política corrompeu a política econômica. A concentração
de renda está entre as dez piores do mundo, que com a crise está
aumentando, e o potencial de crescimento é cerceado por causa das
distorções. A gestão desvirtuada deixa sequelas maiores ainda que os
recursos desviados pela corrupção direta.
Um exemplo é quando simultaneamente ocorre o cancelamento do reajuste
dos benefícios do Bolsa Família e a liberação de emendas para
parlamentares por apoio em votações no Congresso. Outro, quando é
anunciado que sem a reforma da Previdência “acabarão programas sociais”,
em vez de se reduzirem verbas para o Congresso Nacional. Há dezenas
mais que explicam bem por que o País cresce pouco e para poucos.
É fato que a crise em Brasília atrapalha, mas para avançar é necessário
que a sociedade foque também na mudança da política econômica, e não só
dos políticos. Não se pode cobrar do Planalto a execução de um projeto
Brasil que não existe e com certeza não vai ser elaborado na capital
federal.
A sociedade civil também se corrompeu, pela complacência em delegar a
política econômica só aos políticos, não assumindo sua responsabilidade
nata. Urge que a cidadania defina que políticas devem ser adotadas e
cobrar dos políticos a sua execução.
Há medidas que podem ser exigidas para aprimorar a política econômica
atual. No curto prazo, são necessárias ações para melhorar as condições
operacionais das pequenas e médias empresas, que são as que geram mais
empregos e as mais afetadas pela crise. O ajuste fiscal pode ser
aperfeiçoado com medidas como o congelamento dos salários do
funcionalismo, aumentando a tributação sobre rendimentos de aplicações
de renda fixa e acompanhando o que acontece com os juros da dívida
pública.
Para um crescimento vigoroso é imperante ter uma agenda de reformas mais
ambiciosa, a apresentada até agora trata apenas parcialmente da
previdenciária e da trabalhista. Além de aprimoramentos nessas duas,
poder-se-ia avançar em outras, como a administrativa, a bancária, a
cambial, a fiscal, a do Judiciário, a tributária e a política. É
possível fazer mais na crise, sim. O País não pode mais ser apenas um
espectador do que acontece na capital. É isso.
*Doutor em economia, foi economista-chefe da Febraban e professor da USP e da PUC-SP.
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