por Rogério Chequer Folha de São Paulo
A Câmara dos Deputados apresentou na quarta (9) seu Cavalo de Troia. Ele
vem sendo articulado há meses, recheado de maldades, para roubar de
nós, cidadãos brasileiros, a pouca esperança que nos resta. Dentro dele,
nossos parlamentares, quase todos eles, esfregam as mãos esperando a
torneira de dinheiro ser aberta para que possam gastar em suas
campanhas.
O Cavalo de Troia é o novo Fundo Eleitoral que Vicente Cândido, do PT,
quer criar para que nós cidadãos contribuamos com R$ 3,6 bilhões
adicionais para a campanha de nossos pobres políticos.
A proposta de Vicente, uma atrocidade moral que eles ousam chamar de
Reforma Política, carrega armadilhas perversas. Aponto aqui as mais
graves.
1. Nosso país está quebrado. A "meta" de rombo, neste ano, é de R$ 139 bilhões, e
o governo está em dificuldades para honrá-la. Sem a reforma da
previdência, e gastando desvairadamente para comprar apoio no Congresso,
está num beco sem saída. Vai ter que aumentar o rombo, ou aumentar
impostos. Os dois cairão no nosso colo. Jornais mostraram nesta semana
fotos de hospitais públicos que, sem verbas, não podem fazer cirurgias
de coração. Enquanto tem gente morrendo por falta de dinheiro,
irresponsáveis querem mais dinheiro para eleições. É uma atrocidade.
2. A população não quer. Qualquer pesquisa mostraria que não há
um brasileiro sequer disposto a pagar um novo fundo eleitoral. Ora, são
os deputados e senadores nossos representantes ou não? Ao implementar
algo que nenhum de seus eleitores quer, merecem continuar lá? Estão lá
por eles ou por nós? Merecem ser reeleitos? Têm alguma legitimidade
moral?
3. Não há tempo para debate e discussão pública. Faltam menos de
dois meses para acabar o prazo constitucional para mudanças de
legislação eleitoral, que têm que ser feitas até início de outubro —um
ano antes das eleições. Os deputados postergaram o trâmite
deliberadamente, para que seja feito a toque de caixa, com a desculpa do
prazo. Tentarão aprovar a reforma, de forma expressa e dissimulada,
votando em madrugadas. Discussões de assuntos do interesse do povo levam
meses. A discussão na comissão da Câmara foi feita em um dia. Fique de
olho, eles vão voar.
4. A proposta diminui a representatividade. Como se não bastasse a
já combalida representatividade do nosso Congresso, qualquer aumento de
dinheiro público a piora, e muito. Para entender o porquê, imagine
hipoteticamente que os partidos políticos tivessem acesso ilimitado a
recursos públicos. Para que precisariam dar satisfação à população e aos
seus eleitores, se têm recursos para comprar os votos dos menos
informados? Por outro lado, com menos dinheiro público, teriam que
cativar suas bases, criar militantes e contribuidores, pesquisar o que
querem, e representá-los no congresso. Enfim, precisariam se aproximar
dos eleitores. Dinheiro público é inversamente proporcional à
representatividade.
5. O fundo é variável. Vicente Cândido, que não é bobo, está
tentando fixar o valor do novo fundo como um percentual da RCL (Receita
Corrente Líquida) da União. Ele havia sinalizado 0,25% da RCL. Agora
quer dobrar para 0,50%. Isso daria, este ano, R$ 3,6 bilhões. Porém,
como sabemos, estamos ainda no fundo do poço criado por Dilma, Lula e o
PT. Quando a economia se recuperar, a RCL também crescerá, e com ela o
Fundo Eleitoral. Para você ter uma ideia, a RCL mais do que triplicou
nos últimos 15 anos. Podemos ter que contribuir, daqui a quatro
eleições, com R$ 11 bilhões para campanhas eleitorais. O Cavalo de Troia
pode virar um tirano(ssauro) que se alimenta de dinheiro.
6. Os valores atuais já são exorbitantes. O Fundo partidário foi
triplicado por Romero Jucá em 2015 e, hoje, é de R$ 819 milhões (sem
contar as concessões de tempo em rádio e TV, na ordem de centenas de
milhões de reais). Eles não querem aumentar esse valor em 10%, mas em
340%. Seria 12 vezes o valor de 2014.
7. Os gastos partidários não são transparentes. Partidos não têm
rigor na forma que prestam contas. Cada um faz de seu jeito, agrega
valores da forma que bem entende, e pode mudar a metodologia de um ano
para outro. Não há transparência dos gastos do dinheiro da sociedade
para a sociedade.
8. Mesmo sem o Fundo, partidos grandes já receberiam mais. Com a
cláusula de barreira proposta, partidos menores não terão acesso a
dinheiro público. Em vez de deduzir esses valores da contribuição da
sociedade, eles serão redistribuídos aos partidos grandes.
9. Há alternativas. Os parlamentares estão argumentando que, na
ausência do financiamento privado, precisam aumentar o público. Não é
verdade, pois podem mudar o sistema, implementando outro mais barato e
eficiente. O "distritão" (será alvo de outro artigo), apesar de
perverso, já é mais barato que o atual sistema proporcional, por ter
menos candidatos. Mas a melhor solução, em termos de custo e
representatividade, seria a adoção do sistema distrital, que pode
diminuir os custos de campanhas em até 80%. Por que não implementar
agora essa modalidade, cogitada apenas para 2022?
10. A renovação política será comprometida. Os atuais
parlamentares querem essa reforma para terem maiores chances de se
reeleger. Se o conseguirem, perderemos uma enorme, talvez a maior,
chance de renovação do nosso Congresso. Reeleitos, além de darem
continuidade ao abominável desserviço que vêm prestando ao país, eles
podem piorar o sistema ainda mais, revertendo medidas que estão
prometendo para 2022.
A proposta de Vicente Cândido, a ser votada nas duas casas, e já apoiada
pela quase totalidade do Congresso, não é reforma, mas ROMBO político,
financeiro e de representatividade, que estão tentando enfiar nossa
goela abaixo.
É o momento de acordarmos e exercermos cidadania. Se não o fizermos,
perderemos a maior, talvez a única, chance de renovação política para
tirar o Brasil deste buraco. E você? Vai ficar no sofá assistindo?
extraidaderota2014blogspot
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