por Denis Lerrer Rosenfield O Estado de São Paulo
Durante o longo reinado lulopetista, o País sofreu um processo de
intervenção estatal progressiva na seara econômica, sobretudo a partir
do segundo mandato do presidente Lula. Mas foi no período da presidente
Dilma Rousseff que esse processo se aprofundou.
Foi então o Estado apresentado como poder demiurgo capaz de qualquer
realização, como se seus recursos fossem ilimitados. A coisa pública
poderia ser vilipendiada, pois sempre haveria uma reparação financeira
estatal. A Constituição e as leis seriam meros detalhes, a ser
considerados ou não conforme as conveniências políticas e os interesses
particulares. Na perspectiva da encenação, as aparências democráticas
seriam mantidas.
De forma decidida, o Brasil acentuou os traços de seu capitalismo de
compadrio, evoluindo, podendo-se assim dizer, para um capitalismo de
comparsas. O País foi bloqueado e só agora começa a mudar, graças às
reformas conduzidas pelo governo Temer.
As distinções entre esquerda e direita perderam o sentido, na medida em
que a política se criminalizou, com os atores tornando-se agentes de
apropriação de recursos públicos e, igualmente, de desmonte progressivo
das instituições. A política criminosa desconhece limites,
principalmente se sua retórica for a de uma esquerda que estaria
operando uma grande transformação para os trabalhadores. As leis não são
respeitadas, embora se guarde a aparência sob uma cobertura ideológica.
O PT emergiu como quadrilha com hierarquia de mando e foi acompanhado
por setores de outros partidos, que, por sua vez, armaram quadrilhas
secundárias e até mesmo coordenadas entre si. A noção de coisa pública
desapareceu. A classe política, em sentido genérico, passou a ser vista
como composta de criminosos e aproveitadores dos mais diferentes
calibres. Assim, a imagem do Legislativo foi muito enfraquecida. Se uma
questão se apresenta a respeito desse Poder, é a de que não mais exerce a
função de representação política que deveria ser a sua.
O outro lado da política que se criminaliza é o do crime que se
politiza. Uma vez os crimes perpetrados, vem o problema do seu
ocultamento. Se os crimes aparecessem por seu valor de face, a política
simplesmente se evaporaria, tornando-se caso de polícia. Isso seria o
equivalente a um partido e a sua liderança política cometerem um ato de
suicídio.
Considerando que está fora de questão o PT fazer uma autocrítica, uma
avaliação séria de seus crimes, o que significaria o afastamento de seus
criminosos, o partido optou por se colar aos que lideraram esse
processo de destruição do País e, também, dele mesmo.
O comparecimento do ex-presidente Lula perante a Justiça, em Curitiba,
foi emblemático. A estratégia do réu e de seu partido foi precisamente a
de politizar o crime. Com total desfaçatez em relação aos fatos e,
principalmente, em relação ao Brasil, os responsáveis por crimes e pelo
descalabro nacional apresentaram-se como “vítimas de uma perseguição
política”.
Não se tratou, na visão deles, de um simples ato de um indivíduo devendo
prestar contas à Justiça, mas do ato político de um combatente dos
pobres. O aliado das empreiteiras, tendo-se tornado um homem rico, teima
em se apresentar como alguém perseguido.
O Lula aguerrido das lutas públicas, contudo, apareceu no tribunal
acanhando, nervoso e não sabendo bem o que dizer, dada a abundância de
provas. Naquele recinto, perdera o viço do líder populista de esquerda.
Sobrou-lhe apenas atribuir a responsabilidade de seus crime à sua
falecida mulher. Não teve nenhum pudor, tal como não tivera no mensalão,
jogando José Dirceu às feras e, agora, fazendo a mesma coisa com João
Vaccari. A moral é completamente descartada em sua concepção da
política.
Acontece, porém, que a sociedade brasileira colocou os princípios de
moralidade pública na agenda política. Não mais admite tergiversações a
esse respeito. O mestre da enganação apresentou-se diante do juiz Sergio
Moro totalmente desguarnecido. Como se a máscara tivesse caído.
Restou-lhe como ato derradeiro o comparecimento a um comício para os
adeptos da fé petista e os convertidos. O comparecimento destes foi
pífio, em torno de 10% do anunciado, apesar da ampla mobilização dos
convictos de sempre, respaldados por suas fontes de financiamento.
A encenação, necessária tendo em vista a ocultação dos atos ilícitos que
estão verdadeiramente em questão, pareceu nada mais ser do que uma
reunião de militantes, dos que compartilham essa politização do crime.
A condição nacional tornou-se inusitada em termos conceituais. Lula e
comparsas atuam numa linha precisa, segundo uma organização claramente
hierarquizada, dotada de uma ideologia, que tem como função velar os
crimes cometidos.
Quando mais implicados estão na Justiça, mais acentuam o que poderia ser
denominado uma atitude insurrecional, procurando abolir as instituições
representativas. Não bastasse o já feito no sentido da corrosão dessas
instituições, é como se tentassem agora o golpe de graça, que seria o
instrumento de uma nova conquista do poder.
Seu projeto não deixa de ser paradoxal. Procuram fazer com que o
ex-presidente concorra à Presidência da República, mesmo sub judice, com
o possível apoio de um ministro companheiro do STF, por meio de uma
liminar. Muito provavelmente, será Lula condenado em primeira e segunda
instâncias; não se conformando, então, à lei, recorreria a esse
subterfúgio “legal”.
Seria a utilização da lei para suprimir a lei propriamente dita. A “lei”
protegeria criminosos disputando o cargo máximo do País. Com efeito,
como pode a sociedade espelhar-se em tais atores? Que exemplos eles
oferecem à Nação? Como poderia a sociedade estar satisfeita com a
democracia, se esta, em certo sentido, se mostra não democrática?
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