por Manuela Carneiro da Cunha Folha de São Paulo
O preço está alto demais. Para fazer passar no Congresso as reformas
trabalhista e da Previdência, o governo Michel Temer está rifando a
dignidade do Brasil. "Não tem nenhum partido com o tamanho da Frente
Parlamentar Agropecuária", foi a declaração do deputado presidente desse
grupo, Nilson Leitão (PSDB-MT).
Entenda-se: mandamos no Congresso.
Com o Executivo arregimentando os votos de que precisa para sua agenda, é
o momento propício para que essa frente ruralista obtenha o que
pretende -e mais alguma coisa.
E o que quer é assombroso. Custa acreditar que represente o conjunto dos
ruralistas do Brasil: deve haver, tem de haver ruralistas mais
esclarecidos.
Enquanto isso, uma chuva de projetos de medidas provisórias está, aos poucos, sendo aprovada no Congresso Nacional.
Às favas a Política Nacional do Meio Ambiente e as unidades de
conservação; às favas a proteção de pequenos agricultores e de
trabalhadores rurais, que voltariam a um regime de escravidão; às favas
os direitos dos índios e dos quilombolas; às favas os acordos
internacionais assinados, a liberdade de expressão de antropólogos, o
Iphan e a Funai e todas as instituições reguladoras. A lista prossegue e
pode se resumir no seguinte:
"Às favas a Constituição. Aliás, se conseguirmos, faremos uma nova...".
Pensei em reiterar neste texto os dados que cientistas preocupados com o
futuro do Brasil expuseram na Reunião Magna da Academia Brasileira de
Ciências, na semana passada, e que se somam a outras tantas
manifestações contrárias à agenda parlamentar ruralista.
Mas percebi que a esta altura tudo isso é redundante. Um debate baseado
em dados e valores não está tendo o peso que deveria. Afinal, já se
apontaram em detalhes os prejuízos irreversíveis do que a bancada da
Frente Parlamentar da Agropecuária quer fazer ao país com suas propostas
de desproteção.
O Ministério Público Federal emitiu uma nota técnica contundente contra o
substitutivo em pauta no Congresso que desfigura o licenciamento
ambiental.
Mencionou também a insegurança jurídica e a desproteção de 2,2 milhões
de hectares de áreas protegidas. A presidente do Ibama, Suely Araújo,
também manifestou sua oposição.
Um presidente da Funai resiste a pressões da bancada ruralista, é
demitido e acusa o ministro da Justiça, a quem a fundação é submetida,
de parcial. Cem ONGs brasileiras formaram um bloco, o Resistir, para
protestar. Pelo menos dez entidades científicas internacionais e 29
países na ONU já criticaram as violações de direitos indígenas e
perseguição a antropólogos no Brasil.
O que está em curso, aproveitando a fraqueza do governo, é uma
desregulamentação generalizada em favor do latifúndio. Não é à toa que
jagunços voltaram a atacar posseiros e índios, como os gamela do
Maranhão. Os poderosos do campo estão se sentindo muito à vontade.
A questão é: pode-se aceitar que o Brasil saia deste atual interregno desfigurado por um retrocesso vergonhoso? Basta!
*MANUELA CARNEIRO DA CUNHA*é antropóloga, professora titular aposentada
da Universidade de Chicago e da USP e membro da Academia Brasileira de
Ciências
extraídaderota2014blogspot
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