Jornalista Andrade Junior

sábado, 27 de maio de 2017

Duas capitais

Roberto Pompeu de Toledo:  Publicado na edição impressa de VEJA

Na última edição da revista ­Insight Inteligência, o cientista político Christian Lynch propõe que o Brasil passe a ter duas capitais federais, Brasília e Rio de Janeiro. Seria, a seu ver, medida capaz de produzir o duplo efeito de remediar a crise do Rio e aprimorar a administração brasileira. Para mostrar que não seria solução tão esdrúxula quanto parece à primeira vista, o autor cita, entre outros, os exemplos do Chile, que tem o Poder Executivo em Santiago e o Legislativo em Valparaíso; da Bolívia, que tem o Judiciário em Sucre e o Executivo e o Legislativo em La Paz; da Holanda, que tem em Amsterdã a capital oficial e em Haia os órgãos do governo; e da África do Sul, que tem em Pretória a capital administrativa, na Cidade do Cabo a legislativa e em Bloemfontein a judiciária. Na Alemanha, depois da unificação, Berlim voltou a ser capital, mas Bonn continuou a sediar vários ministérios, e os mais altos tribunais se alojaram na pequena Karlsruhe.
Lynch parte do princípio de que, hoje em fase aguda, a crise no Rio de Janeiro é estrutural. Data de 1960, quando a cidade deixou de ser capital. Ou melhor: deixou de ter as vantagens das verbas federais e dos especiais cuidados devotados a uma capital, mas sem perder sua “capitalidade” (o neologismo é dele e de outros autores que tratam do tema). O Rio ainda representa o Brasil no imaginário dos estrangeiros e mesmo dos brasileiros; em nome do Brasil, acolhe eventos como a Conferência do Clima, a Olimpíada e a final da Copa do Mundo; ainda sedia boa parte dos órgãos federais de administração direta e indireta; e — surpreendentemente — abriga mais funcionários do Poder Executivo federal do que Brasília. Entre os 49 órgãos federais sediados no Rio elencados por Lynch, encontram-se o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o Instituto Nacional do Câncer, a Comissão de Valores Mobiliários, a Casa da Moeda e o Arquivo Nacional, além da Petrobras, do BNDES e do ­IBGE. Para mover esse conjunto, a cidade abriga 250 000 funcionários do Executivo federal, contra 175 000 em Brasília.
A forte presença federal não facilita, no entanto, a solução dos problemas locais. Antes os agrava, na medida em que sobrecarrega as necessidades de segurança, de educação e de atendimento à saúde, para citar as mais básicas, hoje mal providas pelas estressadas máquinas estadual e municipal. A solução ­”rea­lista e pragmática”, como a qualifica Lynch, seria a transformação do município do Rio de Janeiro num segundo Distrito Federal. A cidade passaria a contar com a soma dos impostos nela arrecadados — os municipais (IPTU, ISS) mais os estaduais (ICMS, IPVA) — e teria os serviços judiciários e de segurança financiados pela União, como ocorre hoje com Brasília. O autor propõe que o Rio, uma vez oficializado como capital, sedie alguns ministérios. Prédios para recebê-los não faltam, desde os construídos na era Vargas, como os destinados aos ministérios da Fazenda e da Educação (o Edifício Gustavo Capanema), até os centenários palácios Laranjeiras, Guanabara e do Itamaraty. De melhor alvitre ainda seria a mudança do Supremo Tribunal Federal, para aliviar a politicalha em que os juízes hoje se afundam em Brasília.
No regime de duas capitais, o Brasil voltaria a funcionar como entre 1960 e 1970. No período, enquanto partes do governo já se haviam instalado em Brasília e outras permaneciam no Rio, os próprios presidentes, de Jânio Quadros a Costa e Silva, balançavam entre os dois polos. O Rio é precioso demais para o Brasil para ser deixado à deriva. A proposta de Lynch ajuda o Rio a recompor-se, enquanto o Rio ajuda o Brasil a ordenar seu Estado de modo mais racional. “A consagração do Rio de Janeiro como segunda capital oficial do Brasil seria uma bela bandeira neste período turbulento de nossa história, que impõe a refundação da República em bases mais democráticas”, escreve o autor. A revista Insight Inteligência, na qual o bem fundamentado texto de Lynch ocupa 22 páginas, está disponível em papel e no site. O acesso é gratuito.
A imagem do encontro do senador José Serra com a militante do PCdoB Carina Vitral — o presidente da UNE em 1964 e a presidente em 2017 —, os dois afetuosamente abraçados e sorridentes, foi alvo da boçalidade reinante. De seguidores de um e de outra nas redes sociais, os vitupérios foram de “vergonhoso” a “nojento”.








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