por Demétrio Magnoli O Globo
“Esconda o seu poder e aguarde a sua hora; nunca tente tomar a
liderança.” Xi Jinping crê que a sua hora finalmente chegou, e já é
tempo de descartar a máxima de Deng Xiaoping, o sucessor de Mao
Tsé-tung. Em janeiro, em Davos, o presidente chinês exibira-se como o
campeão da globalização. Dias atrás, em Pequim, no Fórum Cinturão e
Estrada, diante de Vladimir Putin, Recep Erdogan e outros 27 chefes de
Estado, apresentou seu projeto monumental de restauração da Rota da
Seda, a rede ancestral de vias de comércio que, na Antiguidade e Idade
Média, conectava a China à Europa. Xi prometeu financiamentos anuais de
US$ 125 bilhões, ao longo de uma década, em obras de infraestrutura
ferroviária, portuária, oleodutos e gasodutos em 68 países.
Mapas recepcionam qualquer exagero. A Rota da Seda do século 21 tem um
componente terrestre (o “Cinturão”) e um marítimo (a “Estrada”). O
Cinturão organiza-se em torno de um corredor econômico principal,
ligando a China à Europa, através da Ásia Central, Irã, Turquia e
Rússia. Dele, partiriam cinco corredores secundários, rumo à Sibéria, à
Rússia europeia, ao Sudeste Asiático, à Índia e ao Paquistão. A Estrada,
inspirada nas rotas quatrocentistas da frota imperial do almirante
Zheng He, formaria um corredor marítimo entre a China e os países
asiáticos e africanos da Bacia do Índico, alcançando a Europa pelo Mar
Vermelho e Canal de Suez.
A equação econômica repousa sobre a lógica do capitalismo de Estado. A
China acumula US$ 3 trilhões em reservas cambiais, investidas
predominantemente em papéis do Tesouro americano, que oferecem baixa
rentabilidade. As grandiosas obras da Rota da Seda oferecem incontáveis
alternativas de investimento produtivo. Além disso, as indústrias
chinesas de trens rápidos, cimento, aço e metalurgia sofrem de excesso
crônico de capacidade. A Rota da Seda abriria mercados externos, gerando
demanda. O impulso expansivo sustentaria um novo ciclo de crescimento
chinês, baseado em capitais e fatores de produção excedentes.
Nem sempre o que reluz é ouro. O nome oficial da iniciativa de Xi é One Belt, One Road (“Um
Cinturão, uma Estrada”). Alarmados pela corrupção vigente em governos
da Ásia Central, empresários chineses envolvidos em projetos de
infraestrutura cunharam a expressão jocosa “Um Cinturão, Uma Armadilha”.
No Sri Lanka, grandes obras financiadas pela China a juros negativos
figuram como casos de manual de destruição de riqueza: o Porto de
Hambantota, construído há dez anos, gera receitas insignificantes, e o
Aeroporto de Mattala Rajapaksa, inaugurado em 2013, ganhou de um
especialista a alcunha de “o mais vazio do mundo”. Do outro lado do
Subcontinente Indiano, no Paquistão, o Porto de Gwadar, completado junto
com Hambantota, também carece de navios e cargas.
As incógnitas da equação econômica só têm solução pela adição de uma
variável estratégica. A iniciativa da nova Rota da Seda bebe na fonte de
Halford Mackinder, diretor da London School of Economics, tido como um
dos fundadores da geopolítica, que formulou a chamada Teoria da
Heartland. “Quem controlar a Eurásia dominará o mundo”, profetizou
Mackinder no ensaio “O pivô geográfico da história”, apresentado em 1904
à Sociedade Real de Geografia. Xi sonha com a edificação, em torno da
China, de uma esfera econômica da Eurásia, que rivalizaria com a esfera
atlântica liderada pelos Estados Unidos. Globalização 2.0, exclamam os
entusiastas. Dominação 3.0, acusa o The Economic Times, um influente jornal da Índia.
A iniciativa chinesa beneficia-se do interesse da Rússia e das
repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central por investimentos em
infraestrutura, avançando no vácuo aberto pela renúncia de Donald Trump
ao mega-acordo da Parceria Transpacífica (TPP) negociado por Barack
Obama. Em Pequim, Xi invocou as figuras espectrais de Zheng He e de seus
predecessores nas trilhas da Rota da Seda, “pioneiros que entalharam
seus nomes na história não como conquistadores com canhões navais ou
espadas, mas como afáveis emissários à frente de caravanas de camelos e
navios carregados de tesouros”. Suas palavras, porém, não impressionaram
a todos.
A Índia é o núcleo da oposição. O The Economic Times registrou,
alarmado, que o discurso do secretário de Estado Rex Tillerson a
diplomatas americanos, uma exposição de política externa de 6,5 mil
palavras, alongou-se em explicar o “novo tipo de relação entre
potências” com a China, mas não mencionou nem uma só vez a palavra
“Índia”. As resistências se estendem desde a hostilidade dos governos
eleitos de Mianmar e do Sri Lanka a contratos firmados por seus
antecessores autoritários até violentos distúrbios conduzidos por
residentes deslocados em Bangladesh e Sri Lanka, operários da construção
civil em Mianmar e movimentos separatistas do Baluquistão paquistanês.
Na Ásia Meridional, entre setores da intelectualidade, difundem-se
sentimentos antichineses, em meio a alertas sobre as “ambições
coloniais” do antigo Império do Centro. A caravana de Xi enfrenta o
assédio dos “bárbaros”.
extraídaderota2014blogspot
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