editorial do Estadão
O Brasil está sofrendo prejuízos incalculáveis com as delações dos donos
da JBS. Mas houve quem saísse no lucro – em especial os próprios
delatores. E que lucro.
O acordo para a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista,
fechado com o Ministério Público Federal, prevê imunidade completa para
os dois. Eles não passarão um minuto sequer na cadeia nem terão de usar
tornozeleira eletrônica, podendo deslocar-se pelo mundo como bem
entenderem, inclusive com residência fora do País. Tampouco serão
obrigados a deixar o comando da JBS. A única punição para os Batistas
será o pagamento de uma multa, além da entrega dos negócios ilegais da
JBS.
Foi um negócio da China. A ser verdade o que relataram aos procuradores,
os Batistas cometeram diversos crimes. Na gravação que chegou ao
conhecimento do público e que está no centro da crise enfrentada pelo
governo de Michel Temer, Joesley comenta com o presidente que comprou
políticos e até um procurador da República para obter informações sobre
investigações contra a JBS. Em outros anexos, o empresário relata como
corrompeu dúzias de parlamentares, servidores públicos e partidos.
Tudo isso deveria ser suficiente para condenar os irmãos Batista a uma
longa temporada na cadeia e a JBS a perdas proporcionais aos estragos
que causou, a exemplo do que está acontecendo com Marcelo Odebrecht e a
empreiteira que leva seu sobrenome. Mas, por razões que somente a
Procuradoria-Geral da República será capaz de explicar, nada disso vai
acontecer.
Para quitarem a multa e saírem livres, os irmãos Batista poderão
recorrer aos estonteantes ganhos que certamente obtiveram ao comprar
entre US$ 750 milhões e US$ 1 bilhão no mercado de câmbio antes da
divulgação das primeiras informações comprometedoras sobre Michel Temer.
Enquanto a notícia sobre o presidente circulava e causava estragos, o
dólar subia quase 8,5%. Fazendo-se as contas, os donos da JBS, que
tinham a informação privilegiada sobre a delação que eles mesmos
fizeram, podem ter embolsado mais de R$ 260 milhões.
Mas não foi só isso. Em abril, quando já haviam negociado a delação, os
irmãos Batista, decerto cientes de que o escândalo faria despencar as
ações da JBS, venderam R$ 329 milhões em papéis à espera da divulgação
do depoimento. A Comissão de Valores Mobiliários, é claro, abriu
investigação.
Não foi apenas esse tino para os negócios que construiu o império dos
irmãos Batista. Eles contaram com o farto financiamento do BNDES nos
governos petistas – foram mais de R$ 10 bilhões em operações
prejudiciais ao banco, que acabou se tornando sócio da JBS. Nenhum grupo
empresarial foi tão beneficiado – em troca, agora se sabe, de propinas
pagas à fina flor do condomínio que se instalou no poder com o PT.
Depois de tudo isso, para coroar a desfaçatez, Joesley Batista divulgou
uma nota em que pede “desculpas” por ter recorrido a “pagamentos
indevidos a agentes públicos”. Afirmou ainda que, em razão de seu
“espírito empreendedor” e de sua “imensa vontade de realizar”, teve de
se submeter a um sistema que “cria dificuldades para vender
facilidades”. Segundo informou o empresário, cujos negócios cresceram
astronomicamente à base de dinheiro público e corrupção, “em outros
países, fora do Brasil, fomos capazes de expandir nossos negócios sem
transgredir valores éticos”. Agora, ele assume o “compromisso público”
de ser “intolerante e intransigente com a corrupção”. Esses termos, que
aparecem com palavras equivalentes em outros documentos de igual efeito,
têm uma única e suspeita inspiração, indissociável de órgão público
cujos membros insistem em que as instituições nacionais estão podres,
exceto a que os abriga.
Para saírem impunes e salvarem suas empresas, os irmãos Batista sabiam
que tinham de entregar ao Ministério Público o prêmio mais cobiçado – a
possibilidade de destruição integral do mundo político, tão desejada
pelos procuradores. Para os irmãos Batista, que moram em Nova York e
cujos negócios estão, em sua maior parte, no exterior, pouco importa o
caos que sua irresponsabilidade criminosa ajudou a criar no Brasil. Para
os que aqui ficam, resta a duríssima tarefa de proteger as instituições
democráticas dos muitos aventureiros que nessas horas sempre se
oferecem para salvar a pátria.
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