por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
Logo a bola voltou para Janot, cuja filha, Letícia Ladeira Monteiro de
Barros, advoga para a OAS e para a Braskem, do grupo Odebrecht, empresas
que estão no dia a dia da Lava-Jato e suas ramificações. O procurador
deveria ser impedido nos casos daquelas empresas, disse o advogado
Sérgio Mendes, que saiu em defesa do casal Mendes.
O terceiro caso está no Congresso. Parece diferente, mas, pensando bem, é
um caso da Corte política. O deputado Newton Cardoso Jr. foi designado
relator de uma medida provisória que permitia o parcelamento de dívidas
com a Receita em até cinco anos. Pois o deputado incluiu no seu
relatório perdão de juros e multas, dobrou o parcelamento e mais tantas
bondades com devedores, todas medidas que beneficiam diretamente as
empresas de seu pai — que acumulam mais de 30 processos fiscais.
Todos os envolvidos responderam com a mesma lógica. Algo mais ou menos
assim: qual o problema? Sou imparcial e republicano, sei separar o
público do privado (familiar, nos casos).
Na área jurídica, a argumentação em defesa de Janot e Mendes, feita por
eles e por outros, foi quase idêntica. A filha de um e a esposa do outro
advogam no cível e os casos da Lava-Jato e ramificações estão
obviamente no âmbito criminal. Logo, não tem problema.
Curioso que, se esse argumento está correto, Janot não poderia pedir o
impedimento de Mendes. Do mesmo modo, o advogado Sergio Bermudes não
poderia dizer que o procurador-geral deveria ser impedido.
E se os dois lados estiverem certos, um contra o outro? Ok, o escritório
Sergio Bermudes só advoga para Eike nos processos civis. Mas Bermudes,
conforme admitiu, aparece como advogado do empresário no processo
criminal e chegou a acompanhá-lo pessoalmente numa audiência.
Prestigiou o cliente num momento difícil, claro, mas olhem pelo outro
lado, o do juiz do caso. Ele olha e vê ali um cliente do doutor
Bermudes, o que não é pouca coisa. Trata-se de um dos mais brilhantes
advogados brasileiros, titular de um superescritório, com sócios do
primeiro time.
Faz diferença, não é mesmo?
Janot se defendeu em nota oficial com uma tese que pode ser assim
resumida: ele, procurador-geral, não atuou pessoalmente, não assinou
nenhum ato em partes do processo envolvendo a empresa OAS; e o que
envolve executivos da OAS está a cargo dos promotores do Grupo de
Trabalho da Lava-Jato.
Mas a empresa e seus executivos estão na Lava-Jato e quem manda na operação, em última instância, é Janot.
De maneira que a história vai mais longe. Janot, Mendes e Bermudes
parecem convencidos de suas posições e seus argumentos. Nota-se mesmo
uma indignação de todos os três quando dúvidas ou suspeitas são
levantadas de um lado para outro.
É que, no ambiente da Corte, essas relações familiares e de amizade têm
sido consideradas normais há tanto tempo que o pessoal estranha quando
alguém estranha.
Ok, é normal que filhos sigam a carreira dos pais. Há famílias de
médicos, jornalistas, advogados. Nenhum problema quando a família atua
no setor privado. Mas a coisa muda quando se chega ao setor público.
Claro que a filha de Janot e a mulher de Gilmar Mendes podem ser
advogadas. Mas pai e marido deveriam admitir, quando assumem altos
cargos no Judiciário, que de duas, uma: ou eles passam longe de qualquer
caso no qual atuam filha e cônjuge ou estas não atuam em casos que
podem chegar a seu pai e marido.
Simples assim. Qualquer outra situação gera as dúvidas que este caso
está suscitando — e enfraquece o Judiciário e, pois, o governo e a
República.
Qualquer pessoa de bom senso percebe isso. Esqueçam as tais
argumentações técnicas, de alto teor jurídico. Não pode o juiz decidir
sobre um caso que envolve ainda que remotamente um parente ou mesmo um
amigo.
É a mesma situação de Palocci e Dirceu, que ganhavam dinheiro fazendo
consultoria para empresas clientes do governo do PT. Como se pode
imaginar que saía daí uma consultoria independente?
E tem mais: o pessoal da alta Corte acha normal que advogados que atuam
nos tribunais superiores sejam amigos do peito de juízes que decidem
seus casos. Dividem jantares, festas, viagens.
Não pode, é claro.
Eis outro efeito indireto da Lava Jato. Está exibindo as perigosas relações da Corte.
extraídaderota2014blogspot
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