por Rogério Furquim Werneck O Globo
A problemática atuação do BNDES, entre 2007 e 2016, vem atraindo, afinal, a atenção de órgãos de controle que devem zelar pela gestão conscienciosa dos recursos públicos no país.
Escapa aos propósitos desse artigo analisar fatos específicos relacionados ao objeto primordial das investigações ora em curso, concentradas nos aportes do banco à JBS e, ao que tudo indica, balizadas por informações extraídas de delações premiadas dos seus donos.
Mais vale aqui manter enfoque mais amplo e relembrar o papel central que teve o BNDES na deflagração do desastre promovido sob a bandeira da nova matriz econômica e — não se pode esquecer — na exacerbação da farra fiscal de que fartamente se nutriu o processo de corrupção do qual o país, agora, vem tomando conhecimento.
O compromisso com a responsabilidade fiscal que havia sido ensaiado no primeiro governo Lula começou a ser definitivamente rompido, em 2007, quando o BNDES convenceu o Planalto de que havia descoberto uma fórmula mágica, que permitiria assegurar ao governo grande fartura de recursos fiscais, sob um biombo de contas públicas aparentemente equilibradas, ainda que grosseiramente manipuladas.
O cerne dessa fórmula era a capitalização velada do BNDES por meio de empréstimos de longuíssimo prazo do Tesouro Nacional ao banco, ardilosamente contabilizados de forma a não afetar nem o resultado primário nem a dívida líquida do setor público.
Foi o que permitiu que, nos anos que se seguiram, centenas de bilhões de reais, oriundos de emissão de dívida pública pelo Tesouro, fossem canalizados para o BNDES, dando lugar a faustoso orçamento paralelo, alegremente administrado pela instituição. Sem as peias do processo orçamentário normal e, portanto, do crivo do Congresso, essa massa fabulosa de recursos, desviada do Tesouro, passou a ser alocada pelo BNDES, ao livre arbítrio do Planalto, sob o manto conveniente do “sigilo bancário”.
Foi em meio à fartura fiscal propiciada por esse orçamento paralelo que o banco se permitiu aportes tão despropositados à JBS, sob a égide de um programa de aumento deliberado da concentração industrial, regado a recursos públicos, para a criação de “campeões nacionais”.
Mas isso seria apenas a ponta do iceberg. Já por volta de 2010, o BNDES havia se transformado numa Ilha da Fantasia, em que parecia haver dinheiro para tudo. E não foi surpreendente que tanta fartura tenha dado lugar a um clima de euforia, megalomania e dissipação, propício ao surgimento de agendas próprias, missões inadiáveis e projetos de investimento grandiosos e voluntaristas.
Emblemático desse clima foi o envolvimento do BNDES no ruidoso projeto da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, inicialmente orçada em US$ 2,4 bilhões, que acabou custando mais de US$ 20 bilhões.
Quando se constatou que, muito antes de contar com um estudo de viabilidade econômico-financeira, a refinaria já havia sido contemplada com um financiamento do BNDES de R$ 10 bilhões, o banco saiu-se com a alegação esfarrapada de que a classificação de risco e o “porte” da Petrobras haviam sido suficientes para a liberação do aporte (“Valor”, 16/5/2014).
É impossível dar por esquecido o papel crucial que teve o BNDES na exacerbação da farra fiscal que, além de engrossar o caldo de cultura em que vicejou a corrupção, nos trouxe à colossal crise em que país está agora metido.
Não faz sentido, a esta altura, acreditar na história de que todas as decisões tomadas em meio ao oba-oba que se estabeleceu no banco, a partir do final da década passada, teriam sido perfeitamente defensáveis. Excetuadas, claro, as decisões indefensáveis, que teriam todas decorrido de situações em que o banco teve de “cumprir ordens” para se acomodar a “razões de Estado”.
Sobre essa última alegação, cabe indagar em que medida o banco teria sido usado para coonestar, com sua chancela, “razões de Estado” flagrantemente indefensáveis.
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