por Rolf Kuntz O Estado de São Paulo
Corrupção do tipo mais conhecido no Brasil, o assalto ao bolso do
contribuinte é um dos grandes temas de um novo livro sobre
infraestrutura, produzido com a participação de um time respeitável de
economistas, advogados e especialistas em administração. O volume foi
lançado em São Paulo um dia antes de comparecer à Justiça Federal, em
Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chefe de governo
durante os primeiros oito anos da mais ampla e organizada pilhagem do
Estado nacional, conhecida, em sua face mais vistosa, graças à Operação
Lava Jato. O depoimento de Lula será lembrado por mais tempo do que a
noite de autógrafos.
Ele converteu o evento em algo muito especial quando atribuiu
exclusivamente à sua mulher, a falecida Marisa Letícia, qualquer
interesse em relação ao triplex do Guarujá. Além disso, apontou o
empresário Léo Pinheiro, da OAS, uma das maiores empreiteiras do País,
como um esforçado vendedor de apartamentos. Morta em fevereiro, a
ex-primeira-dama apareceu também com destaque numa declaração do
pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Dela partiu, segundo
Bumlai, a solicitação de compra do terreno para o Instituto Lula. Os
dois depoimentos serão apenas mais um exemplo notável de coincidência
casual?
Um dia antes do interrogatório de Lula no tribunal federal de Curitiba, o
nome do juiz Sergio Moro chamou a atenção, em São Paulo, de quem foi ao
lançamento do livro Infraestrutura – Eficiência e Ética,
organizado pelo economista e consultor Affonso Celso Pastore, professor
da USP, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e ex-presidente do Banco
Central. O nome de Moro aparece na capa do volume, indicando o autor do
prefácio.
É,
no mínimo, incomum a presença de um juiz como prefaciador de um livro
sobre investimentos em pontes, estradas, portos, aeroportos, centrais
elétricas e redes distribuidoras de energia. A participação de advogados
e professores especialistas em Direito Público e Comercial, como Carlos
Ari Sundfeld, Claudia Polto da Cunha e Modesto Carvalhosa, é muito mais
previsível. Eles podem tratar de assuntos como a lei de concessões, a
segurança contratual e o risco regulatório associado à excessiva
intervenção do Estado, alguns dos temas de Sundfeld. Podem também
discutir a importância de instrumentos de garantia como os performance bonds, em uso nos Estados Unidos desde 1894 – assunto explorado pelo professor Modesto Carvalhosa.
Instrumentos
desse tipo servem para proteger o contratante – no caso, o Estado –
contra o descumprimento ou cumprimento imperfeito das cláusulas
contratuais. Protegem contra o desleixo e a inépcia, mas também contra a
malandragem. A discussão tem sabor teórico, mas o texto do professor
Carvalhosa contém uma seção sobre a corrupção sistêmica e o capitalismo
de laços, bem caracterizados, no Brasil, na atuação de grandes
empreiteiras envolvidas na execução de projetos públicos e na exploração
da infraestrutura.
Um
capítulo inteiro, escrito por Maria Cristina Pinotti, é dedicado aos
efeitos econômicos da corrupção – como desperdício de recursos, perda de
produtividade e redução do crescimento econômico. A ineficiência
resultante da associação criminosa entre empresários e agentes públicos é
muito mais devastadora que outros problemas associados à propina,
mostra o texto. Não por acaso a Itália tem permanecido estagnada há
anos, com um dos piores desempenhos da Europa, enquanto outros países da
região ganharam produtividade e elevaram seu potencial de crescimento. A
Operação Mãos Limpas foi um dos temas de estudo da economista Maria
Cristina Pinotti, nos últimos anos.
Ela
já publicou artigos sobre o assunto e seu conhecimento da história – do
sucesso inicial ao declínio das investigações e dos processos – ilustra
o texto preparado para o livro. O exame é essencialmente econômico e
evidencia o contraste entre a racionalidade do criminoso – corruptor ou
corrupto – e o desajuste introduzido na economia pelo jogo da corrupção.
A
maior parte dos textos é dedicada a questões mais comuns nos manuais
técnicos. São discutidos esquemas de financiamento, vantagens econômicas
das parcerias, formas de atração do capital privado, modelagem de
concessões. Há estudos de caso e um bom resumo da experiência paulista
com o programa de parcerias. O capítulo, assinado pela advogada Claudia
Polto da Cunha e pelo economista Tomás Bruginski de Paula, explora,
entre outros detalhes, as características da Companhia Paulista de
Parcerias e o funcionamento do fundo financeiro usado como garantia das
contraprestações previstas. Cinco de onze contratos assinados já estão
em operação, como a Linha 4 do Metrô e o sistema de manutenção e
modernização dos trens da Linha 8 da CPTM.
Quando
se examina o conjunto, nada parece mais apropriado que um prefácio
escrito pelo juiz Sergio Moro. Ele começa lembrando o trabalho do
presidente americano Theodore Roosevelt, no começo do século 20, para
conter a corrupção. A estratégia incluiu mudanças no financiamento de
campanhas eleitorais. Em 1907, o Tillman Act proibiu a doação de
empresas.
O
texto contém uma análise da experiência americana, passa pela Operação
Mãos Limpas e examina mais extensamente os esforços de combate à
corrupção no Brasil. Lembra o enfraquecimento da Operação Mãos Limpas e
chama a atenção para ameaças à Operação Lava Jato. São citados projetos
para restringir a colaboração premiada, impedir a execução da pena antes
da condenação final e constranger policiais, promotores e juízes.
Corrupção,
é bom lembrar, envolve muito mais que imoralidade e crime. Desperdício,
perda de crescimento e de empregos são efeitos muito mais amplos e
dolorosos. Fraudes, compadrio e queima de bilhões contribuíram para a
crise ainda presente. Corrupção é parte da história da recessão.
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