editorial da Folha de São Paulo
A mais fulminante sequência de denúncias de
que se tem notícia, no extenso rol de revelações da Lava Jato, trouxe
consigo um efeito colateral preocupante e, em boa medida, imprevisto
pelos tantos que se entusiasmaram com o andamento das investigações.
Os termos em que se deu o acordo de delação premiada com os donos da
JBS, conhecidos nos últimos dias, direcionaram ao Ministério Público
parte das indignações que suscitam as atitudes dos suspeitos de
corrupção.
Com efeito, é de estranhar que tenha resultado tão vantajosa, para os
irmãos Joesley e Wesley Batista, sua disposição de colaborar com as
autoridades.
Parece alto, sem dúvida, o valor do que ofertaram em troca —e este é o argumento básico da Procuradoria-Geral da República em defesa do acerto.
São acusações envolvendo mais de 1.800 candidatos a cargos eletivos e,
sobretudo, o registro de uma conversa, entre embaraçosa e
comprometedora, com o presidente da República.
Houve, ainda, cobrança de multa —que, embora de dimensões bilionárias,
não chega a representar prejuízo severo para os envolvidos.
Tudo considerado, sobressai a sensação de que os delatores desfrutaram,
afinal, de uma injustificável benevolência graças às informações que
transmitiram, ainda por serem confirmadas.
Foi-lhes autorizado permanecer no comando da empresa —o que, pelo
raciocínio vigente em outras decisões da Lava Jato, poderia significar
vista grossa à eventual continuidade de seus atos delitivos.
A Joesley assegurou-se o direito de permanecer nos EUA, sem sofrer
embaraços por tudo o que confessadamente urdiu contra a sociedade
brasileira.
O mecanismo da delação premiada deve, naturalmente, corresponder ao nome
—admitindo sensível redução das penas previstas. O prêmio, todavia, não
pode chegar à quase impunidade.
Importa investigar, ademais, os indícios de que o grupo JBS teria
alcançado lucros especulativos graças ao impacto das delações. Seria
somar a provocação à sem-cerimônia, o cinismo ao insulto.
Colhe-se, de todo o episódio, uma impressão de açodamento, em contraste
com os meses consumidos na tomada dos depoimentos de dirigentes da
Odebrecht.
Em seguida, por iniciativa do Supremo Tribunal Federal, vem a público o
conteúdo de milhares de conversas particulares, sem real pertinência
para as investigações.
Foi o que se fez, em flagrante violação ao princípio constitucional do
sigilo da fonte, com os telefonemas entre o jornalista Reinaldo Azevedo e
uma das acusadas.
Conseguiu-se assim ampliar o sentimento —já presente em outras ocasiões—
de que as autoridades cedem às tentações do arbítrio, da onipotência e
da precipitação.
extraidaderota2014blogspot
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