Por Pedro Canário
O acordo foi homologado pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator dos processos no Supremo Tribunal Federal, e não há muitas saídas jurídicas para questionar seus termos – a jurisprudência do STF define que terceiros, ainda que acusados por delatores, não têm interesse processual para questionar cláusulas de acordos de delação. Mas criminalistas ouvidos pela ConJur acreditam que os envolvidos se aproveitaram da falta de previsões legais concretas para assinar uma delação desproporcional.
De acordo com a cláusula 4ª do acordo, com a entrega de informações pelos irmãos, a PGR oferece a eles “o benefício legal do não oferecimento de denúncia”. O parágrafo único dessa cláusula diz que, “no caso de existirem investigação criminal e/ou denúncias já oferecidas” em outras instâncias, o benefício dado aos delatores será, “no caso das investigações, a imunidade”, e, no caso de denúncias já oferecidas, “o perdão judicial”.
A cláusula 10 é que permite que eles morem fora do Brasil. A proposta original da dupla era que o acordo dissesse expressamente que a PGR não se oporia a que os delatores fixassem residência em outro país. A PGR sugeriu mudar a redação desse trecho para dizer que o Ministério Público Federal providenciará quaisquer medidas de segurança exigidas pelos delatores, suas famílias e seus defensores. E já foi divulgado para a TV Globo que os irmãos vêm sofrendo ameaças por causa do que contaram à Justiça.
O problema está na adequação da realidade à norma. A Lei das Organizações Criminosas, que sistematizou a delação premiada no Brasil, só prevê o não oferecimento de denúncia em dois casos: se o delator em questão for o primeiro a fazer o acordo e se ele não for o líder da organização criminosa, conforme dizem os dois incisos do parágrafo 4º do artigo 4º da lei.
No pedido de homologação do acordo enviado a Fachin, o procurador-geral, Rodrigo Janot, afirma que, “em razão do ineditismo” dos fatos descritos pelos delatores, “a premiação pactuada entre as partes signatárias dos acordos foi o não oferecimento de denúncia em face dos colaboradores”.
Fachin não entrou em grandes discussões jurídicas na análise do pedido de homologação. Apenas disse que a jurisprudência do Supremo é a de que, nessa fase, o Judiciário não faz qualquer juízo sobre o conteúdo dos depoimentos, apenas analisa a legalidade e a voluntariedade do acordo. “Não depreendo contrariedade com o Texto Constitucional e com as leis processuais penais”, escreveu o ministro.
Mesa de negociação
Para o advogado Luís Henrique Machado, doutorando em Direito Penal na Universidade Humboldt de Berlim, o problema do acordo está na negociação. “Além de ilegal, o acordo é inconstitucional.”
No pedido de homologação, Janot afirma que a delação dos irmãos batista é inédita porque trouxe elementos de crimes que ainda estavam para ser cometidos e revelou fatos ainda desconhecidos pelos investigadores. O grande trunfo do pedido é o fato de Joesley já ter aparecido para negociar com diversas provas em mãos, envolvendo inclusive o presidente Michel Temer.
“A negociação de um acordo de delação não envolve apenas o tamanho dos crimes relevados e nem o tanto que colaboraram. Uma parte muito importante da análise é o envolvimento dos delatores na empreitada criminosa. E no caso da JBS, sem a participação dos irmãos Batista, o crime não teria acontecido”, diz o advogado.
Machado explica que a lei prevê o perdão judicial a quem não for o chefe da organização justamente para que o delator possa entregar o “tubarão”. No caso da JBS, os tubarões nadaram livres e os peixes pequenos ficaram na rede: enquanto os donos da empresa receberam a garantia do não oferecimento de denúncia, os executivos que participaram do acordo tiveram de se satisfazer com a garantia de que só ficarão presos por no máximo quatro anos.
Segundo Machado, o MPF levou em consideração apenas o nível da colaboração. “É uma visão equivocada. Se o envolvimento do delator é decisivo para o sucesso da atividade delituosa, ele não deve ter o benefício do perdão judicial, sob pena de gerar impunidade e infringir o princípio da isonomia”, diz Machado.
A falta de isonomia, diz ele, está no fato de diversas outras pessoas serem implicadas pelos mesmos fatos que os delatores. Mas somente os acusados serem punidos. O acusador, réu confesso, não. “O lógico é que o chefe da organização tenha uma pena mais alta do quem está lá embaixo na organização.”
Chefes e colaboradores
É difícil avaliar a posição de Joesley e Wesley dentro da organização criminosa descrita pelo Ministério Público Federal, avalia o criminalista Daniel Bialski. Desde as primeiras apurações da “lava jato”, em Curitiba, a tese era de que o esquema não tinha organização vertical, mas eram núcleos organizados de maneira horizontal sem hierarquia entre si.
No caso da JBS, Joesley se diz vítima de extorsão por parte de políticos, partidos e funcionários do Poder Executivo. A PGR usa a mesma argumentação para pedir a abertura de inquéritos: organizações criminosas foram montadas por políticos e dirigentes partidários para extorquir empresários e manter um esquema de propina e caixa dois que alimenta suas campanhas em funcionamento.
Machado acredita que isso só reforça o argumento contrário ao perdão judicial. Se as organizações são horizontais e não havia hierarquia entre elas, analisa o advogado, “por que o núcleo empresarial terá perdão e o núcleo político, por exemplo, não?”
Essas incongruências violam os princípios da isonomia e da proporcionalidade, acredita Luís Henrique Machado.
“Mas Joesley não é o senhor da verdade”, diz Bialski. “Ele é um oportunista que se aproveitou dessa argumentação para implicar o presidente da República e outros políticos influentes.”
O criminalista aponta alguns indícios de que os empresários tinham interesses nas delações. O primeiro deles, diz, é a grande compra de dólares feita pelo Grupo J&F horas antes de trechos da delação ser divulgado pelo jornal O Globo. Outro, o fato de um dos procuradores da República que trabalhava em inquérito instaurado contra a JBS ter se demitido do MPF para integrar o escritório que negociou a delação. A gravação da conversa de Temer com Joesley aconteceu um dia depois da demissão do procurador.
Para Bialski, o MP “ficou deslumbrado” com os fatos narrados por Joesley envolvendo um candidato a presidente o próprio presidente da República. “Talvez por isso não tenha feito uma análise mais minuciosa sobre os elementos levados pelos delatores.”
Únicos perdoados
Embora o perdão judicial tenha sido homologado pelo ministro Fachin, não é medida popular na operação “lava jato”. Os delatores cujos processos correm em primeira instância tentaram ser perdoados em troca das informações que revelaram, mas nenhum deles conseguiu.
Todos tiveram o pedido negado pelo juiz Sergio Fernando Moro porque “não cometeram atos no céu”. Para o magistrado, o que deve contar na análise da concessão do perdão é a “gravidade em concreto dos crimes” e “a elevada reprovabilidade das condutas”.
extraídadeconjur.com
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