Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 26 de maio de 2017

"O Brasil pós-Temer",

 por Ruy Fabiano Com Blog do Noblat - O Globo

As crises institucionais – e o Brasil vive neste momento uma das mais agudas de toda sua história - não costumam estar atreladas à agenda ou muito menos à vontade dos governantes. Têm curso e ritmo próprios. Implacáveis. Desafiá-los não costuma dar certo.
O presidente Michel Temer o fez: disse que não renuncia, embora a crise já o tenha renunciado. Ninguém mais raciocina com sua continuidade. O presidente é um cadáver político, cuja remoção já se providencia – e espera-se que não se prolongue.
Os debates se dão em torno do pós-Temer. Como não quer renunciar, o presidente deverá ser cassado pelo TSE, no próximo dia 6. Não se pode falar em saída honrosa, já que honra é palavra estranha a esse contexto. O presidente quer um salvo conduto.
Não há. Fora do poder, ele e seus ministros estarão à disposição da primeira instância judicial, a maior parte da clientela direcionada ao juiz Sérgio Moro. Daí a resistência.
Seu legado político é problemático: ninguém, à direita ou à esquerda, faz ideia do que virá. Há mais torcida por essa ou aquela saída – e as hipóteses vão de diretas já a intervenção militar, passando por desobediência civil e Constituinte –, mas não há certeza quanto à viabilidade de nenhuma.
A receita constitucional parece simples: assume o presidente da Câmara e, em 30 dias, convoca eleições indiretas, pelo Congresso. O candidato não precisa ser um parlamentar. Filia-se protocolarmente a um partido, sem necessidade de prazo de carência.
Mas aí começam os problemas. O presidente da Câmara é Rodrigo Maia, investigado pela Lava Jato; o do Senado, o seguinte na linha sucessória, é Eunício Oliveira, investigado pela Lava Jato.
A última da fila – e única palatável - é a presidente do STF, Carmem Lúcia, mas como fazê-la furar a fila? Maia e Eunício têm precedência legal. E mais: quem seria esse nome capaz de fazer convergirem Congresso e sociedade? Que força moral tem o atual Congresso para resolver uma crise que ele mesmo deflagrou?
O único consenso é este mesmo: Temer já era. Ontem, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, esteve com o presidente e lhe fez breve relato de seu encontro, na véspera, com os comandantes militares. Eles têm a expectativa de serem chamados a intervir. E é a primeira vez que cogitam disso oficialmente.
O Conselho Federal da OAB reúne-se hoje, em caráter extraordinário, para decidir sobre o encaminhamento de um processo de impeachment. Diante do primeiro áudio liberado, na quarta-feira, em que Temer parecia aprovar a mesada que seu interlocutor Joesley Batista informava estar dando a Eduardo Cunha, havia ainda dúvidas.
Diante, porém, do HD, com a íntegra das delações e respectivos documentos, ontem liberada pelo STF, as dúvidas cessaram. Nada menos que 1 terabyte de denúncias, que superam as da Odebrecht, por irem diretamente ao presidente da República, sem esquecer seus antecessores, Lula e Dilma, a quem os delatores devem, via BNDES, a ascensão espúria à casta dos bilionários.
O governo Temer, como segundo escalão do PT, herdou e zelou por aquela relação criminosa, que nutriu também o PSDB.
Os irmãos Batista relacionam 1.829 políticos, de vereadores ao presidente da República, na clientela das propinas, nutridos pelo dinheiro roubado de estatais – fundos de pensão, bancos (BNDES, sobretudo), administrações direta e indireta. Sobrou alguém?
A imprensa levará alguns dias decompondo os HDs, o que garante, a exemplo do que ocorreu com as delações da Odebrecht, uma sequência prolongada de mais um strip-tease moral da República. Ontem, o Jornal Nacional consumiu mais de uma hora de seu noticiário – algo inédito – somente com esse tema.
Um massacre. Faltam ainda as delações da Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, UTC. Mas a crise não aguardará por elas.
As proporções que adquiriu, abrangendo toda a classe política – a rigor, os três Poderes -, não encontram saída rápida e segura na legislação. Nenhum legislador poderia conceber tal quadro.
Antecipar as eleições diretas de 2018 – mantra da esquerda – oferece também problemas. Carece de emenda constitucional, cujo rito – duas votações, com quórum qualificado de três quintos, na Câmara e no Senado -, além de prolongado, encontra resistências, pois lança fora do manto protetor do foro privilegiado legiões de parlamentares investigados.
Impeachment é complicado: com a jurisprudência que o STF estabeleceu para Dilma Roussef, se arrastaria pelo resto do ano, período em que o país aprofundaria a recessão e mergulharia em densa instabilidade política e social. Renúncia ou TSE, para encerrar um pesadelo. E dar início à reconstrução do país.
O pós-Temer é, na verdade, um pós-guerra.

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